Brincávamos de desviar da rasante dos morcegos que viviam no forro, quando um forte barulho veio do andar de baixo. Debrucei-me na grade de madeira podre e bamba do mezanino, mas nada vi a não ser a mesa de bilhar e os sofás um pouco fora dos seus lugares habituais. De repente, gritaria. Portas bateram, vidros caíram e minha tia muito nervosa tentava chamar-nos do lado de fora da outra janela, aquele lado dos morcegos.
Todos tinham olhos duros de espanto e surpresa.
Tornei olhar para baixo pela grade do mezanino e lá estava um enorme touro preto, de chifres pontiagudos, bufando de um lado pro outro. Devia ter entrado sem querer numa corrida e não conseguia sair da casa, pensei. Mas o touro tinha uma fúria violenta, tomava distancia antes de se lançar certeiro com os chifres sobre a mesa, os sofás, os objetos todos, que em segundos se tornavam destroços.
Nossos olhares se cruzaram por um instante, o meu e o da besta-fera: mataram meu filhote, disse ele. Mataram meu filhote mais manso. Eu com medo e piedade disse que sentia muito, mas que, por favor ele parasse com aquilo, pois não éramos culpados de nada.
Disse-lhe que essa era a natureza das coisas.
O touro pareceu acalmar-se, e parou com a cabeça baixa. Então novamente virou seu olhar em direção ao meu e pedindo com uma calma enternecedora disse: Você está certa, menina. É a natureza das coisas. Desce aqui que eu quero que você me leve até o pasto, não consigo sair com a porta fechada.
Sob os gritos das outras crianças, que não estavam entendendo nada, desci a escada ofegante, com minhas pequenas pernas infantis. Caminhei diretamente para a porta e coloquei minha mãozinha branca no trinco. Ouvindo os passos do animal vindo em minha direção, respirei fundo e virei para olhá-lo, de costas para a porta ainda fechada. O bicho tinha mais de três vezes o meu tamanho e seus chifres eram como punhais de ossos retorcidos. Olhou-me fundo nos olhos. Entenderão seus pais, menina, que esta sim é a natureza das coisas.
Deu dois passos para trás e mirou minha barriga. Com o estrondo da porta de madeira se despedaçando atrás de mim, veio aquele clarão. E aquela canção.
“Boi, boi, boi... Boi da cara preta...”
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Um Delírio - A caça e seus filhotes.
Pintou-se assim: Caminhava procurando alguma coisa, lugar ou pessoa por um chão vermelho que fazia dégradé até o alaranjado do céu. Pensei que estava no norte do Brasil. Aos poucos surgiam sons de tambores e cantos, que eu por alguma razão achava que era uma congada, embora a paisagem não sugerisse o mesmo ponto geográfico. Sem dúvida estava no Brasil.
Pelo meu lado direito passava um batalhão de homens montados a cavalo, todos vestidos de branco, com estandartes e grandes chapéus também sempre brancos. Percebia que o som saía deles. Olhava estática aquela passagem, um pouco contrariada, e depois virava e voltava correndo por onde eu tinha vindo, mas desta vez reparava que o chão era escorregadio, de barro liso e vermelho, muito molhado. Eu corria e escorregava naquele chão, descalça. O barro entrava nos vãos dos dedos, nas unhas e nas canelas e secava instantes depois. Logo meus pés estavam mumificados como um boneco de mestre Vitalino. Em segundos eu era uma boneca por inteiro, mas continuava correndo e pensando.
Não muito longe avistava uma pequena ponte na trilha a esquerda de uma encruzilhada e quando ia passar por ela e lavar os pés no alagado de água limpa e transparente que havia sob ela, uma moça me avisava para ter cuidado porque havia um jacaré ali escondido. Eu não tenho medo de jacaré, pensava.
Subia na ponte receosa, e olhava para a face do alagado. De lá de cima, via com muita ternura uma capivara com seu filhote, um jacaré com seu filhote e mais um animal que acho que era um leão com seu filhote, mas não lembro bem. Não devia ser um leão pelo ponto geográfico, mas foi a sensação que tive. Achei-os bonitinhos e fiquei com vontade de pegar a capivara no colo. Carolina, deixe a caça com seus filhotes.
Quando baixava minhas mãos secas de boneca de barro para tocar a água e diluir-me por inteiro, veio aquele clarão. Voltei.
Pelo meu lado direito passava um batalhão de homens montados a cavalo, todos vestidos de branco, com estandartes e grandes chapéus também sempre brancos. Percebia que o som saía deles. Olhava estática aquela passagem, um pouco contrariada, e depois virava e voltava correndo por onde eu tinha vindo, mas desta vez reparava que o chão era escorregadio, de barro liso e vermelho, muito molhado. Eu corria e escorregava naquele chão, descalça. O barro entrava nos vãos dos dedos, nas unhas e nas canelas e secava instantes depois. Logo meus pés estavam mumificados como um boneco de mestre Vitalino. Em segundos eu era uma boneca por inteiro, mas continuava correndo e pensando.
Não muito longe avistava uma pequena ponte na trilha a esquerda de uma encruzilhada e quando ia passar por ela e lavar os pés no alagado de água limpa e transparente que havia sob ela, uma moça me avisava para ter cuidado porque havia um jacaré ali escondido. Eu não tenho medo de jacaré, pensava.
Subia na ponte receosa, e olhava para a face do alagado. De lá de cima, via com muita ternura uma capivara com seu filhote, um jacaré com seu filhote e mais um animal que acho que era um leão com seu filhote, mas não lembro bem. Não devia ser um leão pelo ponto geográfico, mas foi a sensação que tive. Achei-os bonitinhos e fiquei com vontade de pegar a capivara no colo. Carolina, deixe a caça com seus filhotes.
Quando baixava minhas mãos secas de boneca de barro para tocar a água e diluir-me por inteiro, veio aquele clarão. Voltei.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Primeiros Delírios
Caro leitor do Tabuleiro de Iaiá,
Após três anos e meio de blog, decidi ousar um novo formato de escrita, para testar-me e variar um pouco, que nunca é demais. Publicarei a partir de hoje uma série que nomeei "Primeiros Delírios", que contará com alguns capítulos, ainda não sei quantos. Pretendo publicar semanalmente um "capítulo" . Abaixo segue a Febre desatadora de todos eles. Tomara que goste.
Um beijo,
Iaiá.
FEBRE
Da definitiva vez que adoeci de amor, tive a sensação de desfalecer, porque foi como se o corpo já não pudesse suportar-se encarnado, tamanho o peso e o cansaço arrastados ao longo das paixões que a vida trouxe volta e meia. Só ficou uma dor. Começava atrás dos pulmões, escorria pro baixo das costas e descia às pernas, imobilizando-me como deve ter imobilizado aquele camarada que eu encontrei outro dia, amputado de um pé: o peso foi demais para poder continuar a caminhada... Impressionou-me tanto.
Adoeci mas foi aos poucos, hoje me recordo durante as febres. No primeiro dia uma euforia, no segundo uma decepção, no terceiro dia tristeza, no quarto dúvida, no quinto solidão, no sexto dia abri os olhos sem poder mover-me. A noite havia trazido sonhos insanos, coloridos e agitados, corpos ao sol, mar revolto, sangue. Muito sangue. Minha cidade natal antes feita de morros e rios, agora me vinha cheia de praias e conchas de outras paragens. Tive a sensação de abrir os olhos, mas esperava estática no leito o grito do relógio para que me despertasse de vez daquele estado catatônico. Não conseguia calcular se era uma quinta ou sexta-feira. Não me levanto cedo às quintas-feiras e se fosse o caso e o relógio não despertasse, talvez permanecesse ali para todo o sempre e daí então seria sim: a morte, o sumir-se-do-mundo, o esquecimento.
Tentava forçar-me a piscar os olhos já abertos, porém imóveis e com a vista embaçada. Que cansaço, meu Deus. O tempo urge e eu tenho que sair para trabalhar. Que cansaço. Lembrava-me da música do Gil para Luzia. “Estou tão cansado, mas disse que ia...” e os olhos abertos alternavam-se entre a secura e a doce miragem da figura do meu amado, do sorriso dele. Estaria ainda ao meu lado? Não sabia quanto tempo tinha passado. Impossível virar-me. Talvez conseguisse chamá-lo. Eterno amor! Venha e me desperte com teu beijo de príncipe moribundo! Esbocei um grunhido, não havia voz. Havia apenas uma força desesperadora de dentro para fora, impedida de passar como uma chicotada de vento quando atinge uma triste janela fechada, como rio vivo e corrente que se estabaca numa impassível barragem de concreto.
Juntei todas estas forças para tentar respirar fundo. Quase não tive sucesso, mas senti mover meu peito levemente para cima, e só então me convenci de que definitivamente não tinha morrido. Assim que o ar que entrou, correu-me uma fisgada do cóccix até a base da cabeça. E veio aquele cheiro de cama, suor e saliva. Veio aquele cheiro azedo que me deu um calor muito forte no coração. Daquele arrepio brotaram lágrimas na nascente dos olhos, e eu como quem se afogava até que no segundo fatal consegue beijar o ar, engasguei, tossi e chorei. As gotas caiam quentes em minha pele gelada de semi-morta. Escorriam pelo canto de minha boca, com o gosto do sal da pele dele e eu bebia daquele veneno, resignada, e chorava como quem perde as pernas, chorava como quem se arrepende tarde, como quem fica, chorava como quem nunca.
Aquele pranto triste e desesperado me acolhia e compadecia, me libertava pra dentro. Carolina, você se revelou. O pranto fez do meu leito o ventre fértil de minha mãe, o colo de minhas avós. E eu me misturei a todas as histórias de amor de minha linhagem ancestral. Doía na carne, era preciso medicar-me. Ou isso, ou começar tudo do começo outra vez: Daquele momento chave em que a desilusão se planta do coração dos amantes para crescer seus ramos daninhos.
Quem saberia dizer? Eu dali apenas tentava retomar os sentidos. Na melhor das hipóteses seria possível apagar esta manhã da inconsciência e recomeçar.
Nos primeiros delírios tudo é possível.
Após três anos e meio de blog, decidi ousar um novo formato de escrita, para testar-me e variar um pouco, que nunca é demais. Publicarei a partir de hoje uma série que nomeei "Primeiros Delírios", que contará com alguns capítulos, ainda não sei quantos. Pretendo publicar semanalmente um "capítulo" . Abaixo segue a Febre desatadora de todos eles. Tomara que goste.
Um beijo,
Iaiá.
FEBRE
Da definitiva vez que adoeci de amor, tive a sensação de desfalecer, porque foi como se o corpo já não pudesse suportar-se encarnado, tamanho o peso e o cansaço arrastados ao longo das paixões que a vida trouxe volta e meia. Só ficou uma dor. Começava atrás dos pulmões, escorria pro baixo das costas e descia às pernas, imobilizando-me como deve ter imobilizado aquele camarada que eu encontrei outro dia, amputado de um pé: o peso foi demais para poder continuar a caminhada... Impressionou-me tanto.
Adoeci mas foi aos poucos, hoje me recordo durante as febres. No primeiro dia uma euforia, no segundo uma decepção, no terceiro dia tristeza, no quarto dúvida, no quinto solidão, no sexto dia abri os olhos sem poder mover-me. A noite havia trazido sonhos insanos, coloridos e agitados, corpos ao sol, mar revolto, sangue. Muito sangue. Minha cidade natal antes feita de morros e rios, agora me vinha cheia de praias e conchas de outras paragens. Tive a sensação de abrir os olhos, mas esperava estática no leito o grito do relógio para que me despertasse de vez daquele estado catatônico. Não conseguia calcular se era uma quinta ou sexta-feira. Não me levanto cedo às quintas-feiras e se fosse o caso e o relógio não despertasse, talvez permanecesse ali para todo o sempre e daí então seria sim: a morte, o sumir-se-do-mundo, o esquecimento.
Tentava forçar-me a piscar os olhos já abertos, porém imóveis e com a vista embaçada. Que cansaço, meu Deus. O tempo urge e eu tenho que sair para trabalhar. Que cansaço. Lembrava-me da música do Gil para Luzia. “Estou tão cansado, mas disse que ia...” e os olhos abertos alternavam-se entre a secura e a doce miragem da figura do meu amado, do sorriso dele. Estaria ainda ao meu lado? Não sabia quanto tempo tinha passado. Impossível virar-me. Talvez conseguisse chamá-lo. Eterno amor! Venha e me desperte com teu beijo de príncipe moribundo! Esbocei um grunhido, não havia voz. Havia apenas uma força desesperadora de dentro para fora, impedida de passar como uma chicotada de vento quando atinge uma triste janela fechada, como rio vivo e corrente que se estabaca numa impassível barragem de concreto.
Juntei todas estas forças para tentar respirar fundo. Quase não tive sucesso, mas senti mover meu peito levemente para cima, e só então me convenci de que definitivamente não tinha morrido. Assim que o ar que entrou, correu-me uma fisgada do cóccix até a base da cabeça. E veio aquele cheiro de cama, suor e saliva. Veio aquele cheiro azedo que me deu um calor muito forte no coração. Daquele arrepio brotaram lágrimas na nascente dos olhos, e eu como quem se afogava até que no segundo fatal consegue beijar o ar, engasguei, tossi e chorei. As gotas caiam quentes em minha pele gelada de semi-morta. Escorriam pelo canto de minha boca, com o gosto do sal da pele dele e eu bebia daquele veneno, resignada, e chorava como quem perde as pernas, chorava como quem se arrepende tarde, como quem fica, chorava como quem nunca.
Aquele pranto triste e desesperado me acolhia e compadecia, me libertava pra dentro. Carolina, você se revelou. O pranto fez do meu leito o ventre fértil de minha mãe, o colo de minhas avós. E eu me misturei a todas as histórias de amor de minha linhagem ancestral. Doía na carne, era preciso medicar-me. Ou isso, ou começar tudo do começo outra vez: Daquele momento chave em que a desilusão se planta do coração dos amantes para crescer seus ramos daninhos.
Quem saberia dizer? Eu dali apenas tentava retomar os sentidos. Na melhor das hipóteses seria possível apagar esta manhã da inconsciência e recomeçar.
Nos primeiros delírios tudo é possível.
domingo, 25 de novembro de 2012
Aparição
Mordeu mais que beijou, com fome e liberdade
Sorriu, espreguiçou e me mostrou que sou covarde
Falou amenidades, sem querer sequer saber
O que seria feito do meu peito ao amanhecer
Estava mais bonito do que era antigamente
E foi me aparecer em hora boa – naturalmente.
A marca que deixou cheirou a amor e saudade
Dos tempos que vivemos de paixão nesta cidade
Chegou e saiu dizendo que quem sabe outra hora
Antes de ir para sempre embora, outra vez me revisse
Deixei-lhe ir sabendo que era a ultima da história
Mas gosto tanto dele que nem assim fiquei triste
Sorriu, espreguiçou e me mostrou que sou covarde
Falou amenidades, sem querer sequer saber
O que seria feito do meu peito ao amanhecer
Estava mais bonito do que era antigamente
E foi me aparecer em hora boa – naturalmente.
A marca que deixou cheirou a amor e saudade
Dos tempos que vivemos de paixão nesta cidade
Chegou e saiu dizendo que quem sabe outra hora
Antes de ir para sempre embora, outra vez me revisse
Deixei-lhe ir sabendo que era a ultima da história
Mas gosto tanto dele que nem assim fiquei triste
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Que te Deu?
Por que você anda chorando?
Amor, o que foi que te deu?
Confesso, nos últimos anos
Nenhuma notícia mais me entristeceu.
Você sempre teve aquele braço firme
Um novo sorriso pro que a vida traz
E foi esta fé que me deu a guarida
A força precisa para seguir em paz
Há dias eu soube que te encontraram
Tristonho sem ter aparente razão
Será que fugiram de ti os teus sonhos,
Será que te fere uma nova paixão?
Tomara não tenha perdido a esperança
Que desde criança costumava ter
Disseram que o teu lindo olhar anda triste
E que se eu visse ia querer morrer.
Amor, o que foi que te deu?
Confesso, nos últimos anos
Nenhuma notícia mais me entristeceu.
Você sempre teve aquele braço firme
Um novo sorriso pro que a vida traz
E foi esta fé que me deu a guarida
A força precisa para seguir em paz
Há dias eu soube que te encontraram
Tristonho sem ter aparente razão
Será que fugiram de ti os teus sonhos,
Será que te fere uma nova paixão?
Tomara não tenha perdido a esperança
Que desde criança costumava ter
Disseram que o teu lindo olhar anda triste
E que se eu visse ia querer morrer.
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Dia de Sexta-Feira ( Diriam os Cariocas)
Quando é dia de sexta-feira no fim de expediente
Tarde alta, tempo quente, em pleno horário de verão
É tão linda a sensação que retoma toda a gente
Que uma flor de esperança desponta no coração
Na lotação o trocador está disposto e sorridente
O gerente impaciente se esquece da prestação
(Pra segunda manhã-cedo agenda o seu leão de hoje)
E espreguiça desde o almoço até a picada do cartão
Ainda há tempo para quem sabe, visitar o Posto Sete
Bater palmas pro poente rosado no Arpoador
Pelo túnel da Princesa deslizar num patinete
E cruzar com a luz divina do olhar do Redentor
Quando é dia de sexta-feira, a tarde fica contente
Dentro do peito da gente que luta sem rendição
É hora em que a poesia desde segunda latente
Transborda qual fosse leite fervendo num caldeirão!
Tarde alta, tempo quente, em pleno horário de verão
É tão linda a sensação que retoma toda a gente
Que uma flor de esperança desponta no coração
Na lotação o trocador está disposto e sorridente
O gerente impaciente se esquece da prestação
(Pra segunda manhã-cedo agenda o seu leão de hoje)
E espreguiça desde o almoço até a picada do cartão
Ainda há tempo para quem sabe, visitar o Posto Sete
Bater palmas pro poente rosado no Arpoador
Pelo túnel da Princesa deslizar num patinete
E cruzar com a luz divina do olhar do Redentor
Quando é dia de sexta-feira, a tarde fica contente
Dentro do peito da gente que luta sem rendição
É hora em que a poesia desde segunda latente
Transborda qual fosse leite fervendo num caldeirão!
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Embarcações
Olha só, lá vai um grande amor
Fazendo a curva numa risca escura
Naquela tênue e embaçada linha
Pela beirada, vai o amor pro nunca
Tem um incômodo ao vê-lo indo
E por fazer a curva sem dar seta
Eu quase achei que ia só sorrindo
Dissimulou tão bem a linha reta!
Será que alguém de dentro dele chora
Ou vai o amor abanando o seu lenço
Mas sou só eu lá dentro dele e penso:
Os lenços são bem como as gaivotas
Que dançam livres ao sabor do vento
Embora tanta salmoura por fora
E simbolizam ora o lamento...
Ora a certeza de quem vai embora
Lá foi o amor fazendo a curva escura
Anzol e linha vão barcaça adentro
Quem sabe um vento, outra aventura
Quem sabe a dura proa de meu peito.
Fazendo a curva numa risca escura
Naquela tênue e embaçada linha
Pela beirada, vai o amor pro nunca
Tem um incômodo ao vê-lo indo
E por fazer a curva sem dar seta
Eu quase achei que ia só sorrindo
Dissimulou tão bem a linha reta!
Será que alguém de dentro dele chora
Ou vai o amor abanando o seu lenço
Mas sou só eu lá dentro dele e penso:
Os lenços são bem como as gaivotas
Que dançam livres ao sabor do vento
Embora tanta salmoura por fora
E simbolizam ora o lamento...
Ora a certeza de quem vai embora
Lá foi o amor fazendo a curva escura
Anzol e linha vão barcaça adentro
Quem sabe um vento, outra aventura
Quem sabe a dura proa de meu peito.
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
De relance
Olhei de relance e pensei que fosse névoa.
Uma grossa e leitosa névoa descendo do céu por degraus invisíveis e deitando íntima e preguiçosa sobre o canto do mar. Mas névoa não. No Rio de Janeiro o verão não passa. Não era umidade do ar, não era corrente polar, não era bruma. Nada de algodão doce, nem paina caindo, ciclo da água subindo, nem borrifo de onda. Nada de chuva chegando...
Olhei de novo. Meu Deus...era fogo.
Uma grossa e leitosa névoa descendo do céu por degraus invisíveis e deitando íntima e preguiçosa sobre o canto do mar. Mas névoa não. No Rio de Janeiro o verão não passa. Não era umidade do ar, não era corrente polar, não era bruma. Nada de algodão doce, nem paina caindo, ciclo da água subindo, nem borrifo de onda. Nada de chuva chegando...
Olhei de novo. Meu Deus...era fogo.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Amor, palavras e vento.
Lindas e doces palavras bailavam num vento fresco de chuva esperada.
Bailavam como meus cabelos, entrelaçando fios e poeira, flores e folhas, memória e sonho... Entrelaçam a vida de toda a gente, as palavras ditas e não ditas pela boca. Carregam suaves a vida de toda a gente, as notas assoviadas ao vento.
A vida tem mistérios indissolúveis, deliciosos e assustadores. Mas que fazer dela senão seguir vivendo, fazendo o bem e amando? O bem e o amor acima de tudo, em qualquer que seja a ordem. Uma coisa puxa a outra - o amor e o bem fazer, o bem feito e o querer-bem. E eu só quero isso da vida: O amor, as palavras e o vento.
Ou seja,
Canções.
Bailavam como meus cabelos, entrelaçando fios e poeira, flores e folhas, memória e sonho... Entrelaçam a vida de toda a gente, as palavras ditas e não ditas pela boca. Carregam suaves a vida de toda a gente, as notas assoviadas ao vento.
A vida tem mistérios indissolúveis, deliciosos e assustadores. Mas que fazer dela senão seguir vivendo, fazendo o bem e amando? O bem e o amor acima de tudo, em qualquer que seja a ordem. Uma coisa puxa a outra - o amor e o bem fazer, o bem feito e o querer-bem. E eu só quero isso da vida: O amor, as palavras e o vento.
Ou seja,
Canções.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Responderá a Cidade
Em duas semanas mudei de vida. Num ímpeto de coragem, decidi resolver minhas piores e mais atravancantes questões práticas.
Tornei-me mais organizada, fiz três organogramas dividindo as atividades entre trabalho, estudo e tarefas domésticas e colei-os no espelho. Através de prática de misteriosa terapia respiratória indiana e meditação, consegui parar de atropelar as idéias com as falas e creio ter conseguido me fazer mais passível de compreensão. Encarei o que faltava para ficar em paz e dei um jeito de solucionar um a um os problemas, com disposição e fé:
Em poucos dias fui promovida, vendi o carro que há tempos estragava parado, manejei incluir pedaladas ao meu cotidiano para melhorar a forma e os pulmões. Diminuí a bebida alcoólica e o cigarro e – o mais importante – organizei meu escritório, o que não foi bolinho. Adquiri uma boa mesa branca com espaço para lápis, cadernos, livros e computador, cadeira confortabilíssima de couro opaco e a tão sonhada luz de centro. Finalmente fiz o que precisava para poder escrever em paz, além de – aleluia! - ter o espaço necessário para exercitar-me ao piano e ao violão (e assim sentir-me satisfeita e realizada com minhas obrigações). Tudo ficou perfeito, exatamente como eu queria.
Toda esta transformação, embora tenha me gerado algum cansaço e investimento de inicio valeu muitíssimo à pena, é verdade. Por conseqüência cuido mais e com mais praticidade dos afazeres domésticos, tenho me alimentado melhor e sinto-me disposta e pronta tanto para os percalços quanto para as deliciosas surpresas que a vida na cidade grande pode oferecer a cada novo dia.
O próximo passo é sentar-me calmamente para responder com fluida e liberta poesia escrita à pergunta que zune aos meus ouvidos de viajante com acampamento enfim assentado: o que foi mesmo que eu vim fazer nesta cidade?
Sentei-me em frente a máquina sem conseguir esboçar palavra. As preocupações sobre a mudança de documentos para o carro, o desenrolar da nova pesquisa e a dor nas costas resultante das pedaladas, não me deixavam pensar, ainda que na paz quase tumular de meu novo escritório.
Foi aí que entrou o Calvino.
“De uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.” *
E as respostas nem sempre são maravilhas. Não há dialeto perfeito a este ponto, nem tão bem amarrado (comprovou-me mais tarde o mesmo Calvino, despindo-se da língua italiana).
Percorri rapidamente a minha lista diária de afazeres. Estavam todos solucionados, nem três da tarde ainda.Vasculhando a memória então, me indaguei se havia algo de incomodo ou inquieto em minhas relações pessoais, algo que pudesse perguntar a mim mesma e ao Redentor para que a cidade me respondesse, e, para meu claro espanto, (afora algumas inevitáveis dores sedimentadas ao longo dos anos) encontrei tudo calmo e mui harmônico nas questões amorosas e familiares. Levei mais trinta minutos nesta penosa tarefa e acho que alcancei a inevitável e indissimulável conclusão:
Eu preciso urgentemente fazer perguntas melhores.
* Trecho do livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.
Tornei-me mais organizada, fiz três organogramas dividindo as atividades entre trabalho, estudo e tarefas domésticas e colei-os no espelho. Através de prática de misteriosa terapia respiratória indiana e meditação, consegui parar de atropelar as idéias com as falas e creio ter conseguido me fazer mais passível de compreensão. Encarei o que faltava para ficar em paz e dei um jeito de solucionar um a um os problemas, com disposição e fé:
Em poucos dias fui promovida, vendi o carro que há tempos estragava parado, manejei incluir pedaladas ao meu cotidiano para melhorar a forma e os pulmões. Diminuí a bebida alcoólica e o cigarro e – o mais importante – organizei meu escritório, o que não foi bolinho. Adquiri uma boa mesa branca com espaço para lápis, cadernos, livros e computador, cadeira confortabilíssima de couro opaco e a tão sonhada luz de centro. Finalmente fiz o que precisava para poder escrever em paz, além de – aleluia! - ter o espaço necessário para exercitar-me ao piano e ao violão (e assim sentir-me satisfeita e realizada com minhas obrigações). Tudo ficou perfeito, exatamente como eu queria.
Toda esta transformação, embora tenha me gerado algum cansaço e investimento de inicio valeu muitíssimo à pena, é verdade. Por conseqüência cuido mais e com mais praticidade dos afazeres domésticos, tenho me alimentado melhor e sinto-me disposta e pronta tanto para os percalços quanto para as deliciosas surpresas que a vida na cidade grande pode oferecer a cada novo dia.
O próximo passo é sentar-me calmamente para responder com fluida e liberta poesia escrita à pergunta que zune aos meus ouvidos de viajante com acampamento enfim assentado: o que foi mesmo que eu vim fazer nesta cidade?
Sentei-me em frente a máquina sem conseguir esboçar palavra. As preocupações sobre a mudança de documentos para o carro, o desenrolar da nova pesquisa e a dor nas costas resultante das pedaladas, não me deixavam pensar, ainda que na paz quase tumular de meu novo escritório.
Foi aí que entrou o Calvino.
“De uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.” *
E as respostas nem sempre são maravilhas. Não há dialeto perfeito a este ponto, nem tão bem amarrado (comprovou-me mais tarde o mesmo Calvino, despindo-se da língua italiana).
Percorri rapidamente a minha lista diária de afazeres. Estavam todos solucionados, nem três da tarde ainda.Vasculhando a memória então, me indaguei se havia algo de incomodo ou inquieto em minhas relações pessoais, algo que pudesse perguntar a mim mesma e ao Redentor para que a cidade me respondesse, e, para meu claro espanto, (afora algumas inevitáveis dores sedimentadas ao longo dos anos) encontrei tudo calmo e mui harmônico nas questões amorosas e familiares. Levei mais trinta minutos nesta penosa tarefa e acho que alcancei a inevitável e indissimulável conclusão:
Eu preciso urgentemente fazer perguntas melhores.
* Trecho do livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Sintonia - "Aumente seu volume que ciúme não tem remédio, não..."
O ciúme é um veneno
Que penetra carne adentro
E não há medicamento
Que do mal possa curar
É um velho ferimento
Flor aberta, sangue quente
Segue ardendo eternamente
Sem jamais poder fechar
O ciúme é entalado
Feito espinho na garganta
É uma dor que não se canta
Nem se ousa comentar
O ciúme sempre existe
Pois até quando não triste
Quem ama nunca se acha
Perfeito para seu par
O ciúme quando vem
É manada desenfreada
Atropela a namorada
E a casada também
Mas ciúme quem não tem
Nunca alguém amou a vera
O ciúme é uma quimera
Do afã de querer bem
Que penetra carne adentro
E não há medicamento
Que do mal possa curar
É um velho ferimento
Flor aberta, sangue quente
Segue ardendo eternamente
Sem jamais poder fechar
O ciúme é entalado
Feito espinho na garganta
É uma dor que não se canta
Nem se ousa comentar
O ciúme sempre existe
Pois até quando não triste
Quem ama nunca se acha
Perfeito para seu par
O ciúme quando vem
É manada desenfreada
Atropela a namorada
E a casada também
Mas ciúme quem não tem
Nunca alguém amou a vera
O ciúme é uma quimera
Do afã de querer bem
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Daquele Ponto, Seguiu Amando
Todos dormem no coletivo: Segunda-feira, nem sete horas da manhã. O trocador com rosto oleoso e ainda bêbado abre os olhos vermelhos a cada parada e torna fechá-los em seguida, pendendo a cabeça sobre o pescoço molenga. Cada buraco no asfalto - é certo - lhe garantirá um belíssimo torcicolo tão doído e duradouro que lhe fará lembrar do porre de ontem até o próximo sábado. Segunda-feira, nem sete horas ainda. É tempo de começar a semana, mas não tão já. Mais quinze minutinhos de sono em vigília até o Alto Leblon (piscam duro olhos coloridos). Mais seis pontos pro Alto Leblon.
Parada. Entrou uma moça feia, mas já de batom. Deu bom dia ao motorista, ao trocador e a mim, que nada tinha a ver com a história e também bamba cochilava.
Sorria sozinha e sem motivo aparente. Na verdade, se não me engano flertou com o trocador nos dez segundos em que este se manteve de olhos abertos para rodar a catraca. Flor nos cabelos, sorriso vazando. Sentou-se no banco ao lado roubando minha atenção com trejeitos bem mais discretos que sua figura esquálida e nordestina. Abriu o zíper da enorme bolsa de napa cor-de-rosa e de lá tirou outra bolsinha brilhante com um estojo de maquiagem dentro. Abriu o espelho e começou a se admirar fazendo caras e bocas. Mais batom, mais pó. A difícil tarefa de passar rímel parecia uma dança ritmada com o trepidar de cabeça do trocador a cada buraco. A custosa tarefa contanto divertia-a, risonha. Era mais um disfarce que outra coisa. Era uma razão para olhar fundo em seus próprios olhos arregalados de segunda-feira manhã-cedinho e sorrir jocosamente, satisfeita. A mal-amada ao meu lado olhava desconfiada, a beata do banco de trás esconjurava, o trocador e o resto do coletivo dormiam. Ela apenas sorria:
Que noite de amor! Que noite! Era sim bonita, era sim capaz, gozava sim.Ai! Que semana bela pela frente, que lindo dia frio e chuvoso de alagamento no Rio de Janeiro. Que bom que Deus lhe dera aquele emprego de fome, que maravilha sua casinha na Providência, que sorte hoje de manhã ter havido água encanada para aquele banho de princesa. Que bom ter a maloca da vizinha para deixar os meninos que estão de férias, que bom que o ônibus parou no ponto sem encharcá-la, o guarda-chuva não virou e o amor aconteceu. O amor aconteceu no fim de semana e trouxe a alegria de viver junto da segunda-feira.
O amor coloriu a vida e os lábios de encarnado, como faz com qualquer vida de amador.
E eu, que apenas sofria, fiquei feliz pela cabocla. Tornei fechar os olhos e sonhei mil acontecimentos alegres. Ponto sexto, solavanco. Chegada ao Leblon e um cartaz pendurado no poste de luz:
" Amor não tem hora,
acordo nem projeto.
O amor é papo-reto "
Abri os olhos na segunda-feira, meio acordada, meio não.
A Macabéia seguiu amando.
Parada. Entrou uma moça feia, mas já de batom. Deu bom dia ao motorista, ao trocador e a mim, que nada tinha a ver com a história e também bamba cochilava.
Sorria sozinha e sem motivo aparente. Na verdade, se não me engano flertou com o trocador nos dez segundos em que este se manteve de olhos abertos para rodar a catraca. Flor nos cabelos, sorriso vazando. Sentou-se no banco ao lado roubando minha atenção com trejeitos bem mais discretos que sua figura esquálida e nordestina. Abriu o zíper da enorme bolsa de napa cor-de-rosa e de lá tirou outra bolsinha brilhante com um estojo de maquiagem dentro. Abriu o espelho e começou a se admirar fazendo caras e bocas. Mais batom, mais pó. A difícil tarefa de passar rímel parecia uma dança ritmada com o trepidar de cabeça do trocador a cada buraco. A custosa tarefa contanto divertia-a, risonha. Era mais um disfarce que outra coisa. Era uma razão para olhar fundo em seus próprios olhos arregalados de segunda-feira manhã-cedinho e sorrir jocosamente, satisfeita. A mal-amada ao meu lado olhava desconfiada, a beata do banco de trás esconjurava, o trocador e o resto do coletivo dormiam. Ela apenas sorria:
Que noite de amor! Que noite! Era sim bonita, era sim capaz, gozava sim.Ai! Que semana bela pela frente, que lindo dia frio e chuvoso de alagamento no Rio de Janeiro. Que bom que Deus lhe dera aquele emprego de fome, que maravilha sua casinha na Providência, que sorte hoje de manhã ter havido água encanada para aquele banho de princesa. Que bom ter a maloca da vizinha para deixar os meninos que estão de férias, que bom que o ônibus parou no ponto sem encharcá-la, o guarda-chuva não virou e o amor aconteceu. O amor aconteceu no fim de semana e trouxe a alegria de viver junto da segunda-feira.
O amor coloriu a vida e os lábios de encarnado, como faz com qualquer vida de amador.
E eu, que apenas sofria, fiquei feliz pela cabocla. Tornei fechar os olhos e sonhei mil acontecimentos alegres. Ponto sexto, solavanco. Chegada ao Leblon e um cartaz pendurado no poste de luz:
" Amor não tem hora,
acordo nem projeto.
O amor é papo-reto "
Abri os olhos na segunda-feira, meio acordada, meio não.
A Macabéia seguiu amando.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Até Mais Ver
Amigo leitor, preciso te falar.
Eu também queria mais sinceridade, eu queria cantar olhando nos teus olhos sem medo, queria crer e cantar com a firmeza de quem pisa um chão de grama sem sapatos. Mas não consigo, nem posso. O mundo ficou assim, foi? Foi quando, quem fez? O mundo deixou aonde e quando a poesia sair de cena e tornar-se apenas um artificial modo de se falar da vida, ou de se ter saudade? Um esforço danado com resultados forjados.
Por que criar barreiras, nichos, trincheiras, absurdos entre nós, se somos apenas tantos, diluídos... caminhantes todos de um pareado destino final irremediável que nos apagará do corpo desta Terra - pobrezinha - desta Terra judiada, para toda a eternidade.
Se eu tivesse boca e coragem, gritava ao mundo que parasse para tomar um café bem brasileiro e pensar na vida. É tudo grande demais, complicado demais, caro demais para se viver. Ninguém mais pode ter um pedaço de chão. E o que faz um poeta sem uma cadeira para botar no jardim e um silêncio para fumar - sim, fumar - sob a lua, conversar com o mato, ouvir uma coruja? De onde o poeta pode tirar a beleza para falar da vida?
Os poetas só têm sentido se servirem ao propósito de suavizar a dor da caminhada em belas palavras e melodias, em cores mais lindas, mais perfumadas. Não? Tenho pena deste abandono, desta falta de amor e de palavras: asfalto, poluição, desmatamento, miséria, mesquinharia e concorrência não fornecem boas rimas.
Amigo, eu preciso te falar que continuo seriamente preocupada. Eu queria ter o direito de ser poeta. Mas estou cansada, tão cansada. Me obriguei a ficar vários dias sem escrever até que tivesse algo para dizer que não fosse pessimista ou uma reclamação. E não consegui, pelo jeito. Mas o silêncio e a amargura me trouxeram alguma consciência, creio eu. Não quero mais reclamar, estou me comprometendo comigo e contigo. Não tenho sido uma boa poetisa. Por isso me calarei ainda mais e este silêncio só vai terminar no dia em que eu voltar a crer na alegria, na juventude passageira da gente. Pode ser que não volte. Pode ser que a gente não acorde para uma nova maré, para novos ventos. E pode ser que apesar de nós todos inválidos, isso nem seja uma pena, pois ninguém vai sequer notar.
A vida, meu caro só vale a pena se olhada nos olhos. E eu vou com olhos de paisagem perdida por hora, até quem sabe uma sorte me faça encontrar num olhar amigo de sinceridade, a coragem, o desejo e a fé na gente.
Quando foi que eu fiquei assim? Viver é difícil, mas a alternativa ainda é pior.
Só sei que não vou com olhos fingidos, a isso me nego. Vou cega, vou vagueando.
Vou até mais ver.
Eu também queria mais sinceridade, eu queria cantar olhando nos teus olhos sem medo, queria crer e cantar com a firmeza de quem pisa um chão de grama sem sapatos. Mas não consigo, nem posso. O mundo ficou assim, foi? Foi quando, quem fez? O mundo deixou aonde e quando a poesia sair de cena e tornar-se apenas um artificial modo de se falar da vida, ou de se ter saudade? Um esforço danado com resultados forjados.
Por que criar barreiras, nichos, trincheiras, absurdos entre nós, se somos apenas tantos, diluídos... caminhantes todos de um pareado destino final irremediável que nos apagará do corpo desta Terra - pobrezinha - desta Terra judiada, para toda a eternidade.
Se eu tivesse boca e coragem, gritava ao mundo que parasse para tomar um café bem brasileiro e pensar na vida. É tudo grande demais, complicado demais, caro demais para se viver. Ninguém mais pode ter um pedaço de chão. E o que faz um poeta sem uma cadeira para botar no jardim e um silêncio para fumar - sim, fumar - sob a lua, conversar com o mato, ouvir uma coruja? De onde o poeta pode tirar a beleza para falar da vida?
Os poetas só têm sentido se servirem ao propósito de suavizar a dor da caminhada em belas palavras e melodias, em cores mais lindas, mais perfumadas. Não? Tenho pena deste abandono, desta falta de amor e de palavras: asfalto, poluição, desmatamento, miséria, mesquinharia e concorrência não fornecem boas rimas.
Amigo, eu preciso te falar que continuo seriamente preocupada. Eu queria ter o direito de ser poeta. Mas estou cansada, tão cansada. Me obriguei a ficar vários dias sem escrever até que tivesse algo para dizer que não fosse pessimista ou uma reclamação. E não consegui, pelo jeito. Mas o silêncio e a amargura me trouxeram alguma consciência, creio eu. Não quero mais reclamar, estou me comprometendo comigo e contigo. Não tenho sido uma boa poetisa. Por isso me calarei ainda mais e este silêncio só vai terminar no dia em que eu voltar a crer na alegria, na juventude passageira da gente. Pode ser que não volte. Pode ser que a gente não acorde para uma nova maré, para novos ventos. E pode ser que apesar de nós todos inválidos, isso nem seja uma pena, pois ninguém vai sequer notar.
A vida, meu caro só vale a pena se olhada nos olhos. E eu vou com olhos de paisagem perdida por hora, até quem sabe uma sorte me faça encontrar num olhar amigo de sinceridade, a coragem, o desejo e a fé na gente.
Quando foi que eu fiquei assim? Viver é difícil, mas a alternativa ainda é pior.
Só sei que não vou com olhos fingidos, a isso me nego. Vou cega, vou vagueando.
Vou até mais ver.
domingo, 1 de julho de 2012
Quando Longe de Ti
Longe de ti, adorado senhor
Não sei de palavra que rime c`o amor
Eu abandonada sou tão descontente
A ré costumeira da mágoa crescente
Longe de ti, meu muso bonito
Eu nego-te tanto, eu sempre desisto
O meu coração é qual cela gelada
Lá dentro eu me prendo, triste e desgraçada
Tens dó desta escrava e sua valentia
Permitas que nunca suceda a alforria
Insistas amarrar-lhe os maus pensamentos
Ajudes domar-se de seus sentimentos
Pois longe de ti, meu senhor eu me entrego
E tudo renego, por tudo padeço
Longe de ti, sou só eu a culpada
Por sempre cair nas mentiras que teço.
Não sei de palavra que rime c`o amor
Eu abandonada sou tão descontente
A ré costumeira da mágoa crescente
Longe de ti, meu muso bonito
Eu nego-te tanto, eu sempre desisto
O meu coração é qual cela gelada
Lá dentro eu me prendo, triste e desgraçada
Tens dó desta escrava e sua valentia
Permitas que nunca suceda a alforria
Insistas amarrar-lhe os maus pensamentos
Ajudes domar-se de seus sentimentos
Pois longe de ti, meu senhor eu me entrego
E tudo renego, por tudo padeço
Longe de ti, sou só eu a culpada
Por sempre cair nas mentiras que teço.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Anuário do Primeiro Beijo
Para o meu Caboclo Poeta-Citador
Em Junho, nos conhecemos
Em Julho nos beijamos
Agosto, já tínhamos planos
De viver esta linda amizade
Setembro - primavera do tempo
Conhecemos a felicidade!
De Outubro ao mês de Novembro
Fomos desejo, ciúme e paixão
Dezembro trouxe uma encruzilhada
(Erramos o lado da estrada)
Em Janeiro: solidão.
Fevereiro, quase esquecemos
Ao Carnaval nos entregamos
Mas em Março desesperamos:
Saudade Abril seus cortejos
Em Maio, não desgrudamos
E continuamos, e continuamos...
Já volta o mês do Inverno
Te Junho que hoje na sacada
Como quem não quer mais nada
Veio Bilac cantando:
"Quando passo um dia inteiro,
Sem ver meu amorzinho
Cobre-me um frio de Janeiro
No Junho de meu carinho..."
E eu te fiz este anuário
Pensando em nosso grande amor
Que seja sempre, por favor
Dos meus versos o relicário
Da inspiração o cenário
Da alegria o propulsor...
O alimento da coragem
A vantagem de saber
Meu amor, que grande sorte
Em qualquer data do ano
Eu ter esbarrado em você.
Em Junho, nos conhecemos
Em Julho nos beijamos
Agosto, já tínhamos planos
De viver esta linda amizade
Setembro - primavera do tempo
Conhecemos a felicidade!
De Outubro ao mês de Novembro
Fomos desejo, ciúme e paixão
Dezembro trouxe uma encruzilhada
(Erramos o lado da estrada)
Em Janeiro: solidão.
Fevereiro, quase esquecemos
Ao Carnaval nos entregamos
Mas em Março desesperamos:
Saudade Abril seus cortejos
Em Maio, não desgrudamos
E continuamos, e continuamos...
Já volta o mês do Inverno
Te Junho que hoje na sacada
Como quem não quer mais nada
Veio Bilac cantando:
"Quando passo um dia inteiro,
Sem ver meu amorzinho
Cobre-me um frio de Janeiro
No Junho de meu carinho..."
E eu te fiz este anuário
Pensando em nosso grande amor
Que seja sempre, por favor
Dos meus versos o relicário
Da inspiração o cenário
Da alegria o propulsor...
O alimento da coragem
A vantagem de saber
Meu amor, que grande sorte
Em qualquer data do ano
Eu ter esbarrado em você.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
Feituras do Amor
O amor me fez gracejo
Disse ela com um beijo
O amor é um privilégio
Quando tédio sem amar!
O amor me fez pirraça
Disse alguém cruzando a praça
O amor é uma desgraça
Que não quero mais provar!
O amor me fez chamego
Disse a outra pro seu nêgo
O amor é um sossego
Que me bate após gozar.
O amor fez arapuca
Disse aquela já maluca
O amor é uma sinuca
Ou um jogo de bilhar?
O amor não me aparece!
Disse um pobre a Deus em prece
O amor só agradece
Quem tem chance de provar...
O amor mesmo precoce
Me deu voz e bico doce
O amor, se amor não fosse
Era fácil de inventar
O amor não me fez nada
A não ser pintar a estrada
E ensinar a tabuada
De como se faz para amar
Disse ela com um beijo
O amor é um privilégio
Quando tédio sem amar!
O amor me fez pirraça
Disse alguém cruzando a praça
O amor é uma desgraça
Que não quero mais provar!
O amor me fez chamego
Disse a outra pro seu nêgo
O amor é um sossego
Que me bate após gozar.
O amor fez arapuca
Disse aquela já maluca
O amor é uma sinuca
Ou um jogo de bilhar?
O amor não me aparece!
Disse um pobre a Deus em prece
O amor só agradece
Quem tem chance de provar...
O amor mesmo precoce
Me deu voz e bico doce
O amor, se amor não fosse
Era fácil de inventar
O amor não me fez nada
A não ser pintar a estrada
E ensinar a tabuada
De como se faz para amar
domingo, 13 de maio de 2012
Poema Sem Forma
Para os Kantovitz Sanglade
Pela terceira vez na semana, sonhei contigo
O que me causou grande espanto – Há trinta anos não te vejo.
Desta vez continuava manso
Objeto de meu carinho, sorridente
Mas perdera dois dentes do fundo e tinha dois dentes verdes da frente, verdes de tanto fumar cannabis.
Te vi cruzar a rua e pulei em teu colo segura: antigo amor, tua saudade cansa como a de um irmão!
Neste instante cruzamos um campo azulado
Havia araucárias e montes escuros
Eu ia montada numa onça pintada e você a cavalo, corria com os cachorros.
Ganhei a corrida e cravei as unhas na onça.
A onça era mansa
A saudade é que não correu. Ficou. Cresceu.
Ferozmente.
Pela terceira vez na semana, sonhei contigo
O que me causou grande espanto – Há trinta anos não te vejo.
Desta vez continuava manso
Objeto de meu carinho, sorridente
Mas perdera dois dentes do fundo e tinha dois dentes verdes da frente, verdes de tanto fumar cannabis.
Te vi cruzar a rua e pulei em teu colo segura: antigo amor, tua saudade cansa como a de um irmão!
Neste instante cruzamos um campo azulado
Havia araucárias e montes escuros
Eu ia montada numa onça pintada e você a cavalo, corria com os cachorros.
Ganhei a corrida e cravei as unhas na onça.
A onça era mansa
A saudade é que não correu. Ficou. Cresceu.
Ferozmente.
domingo, 29 de abril de 2012
Nada se Mova no Domingo
Domingo. Já passa das quatro da tarde e ainda não falei com ninguém nem vi qualquer pessoa. Estou sozinha, e estes raros momentos de independência absoluta me garantem um estranho domínio sobre o tempo. Já são mais de quatro da tarde, uns cantos de passarinhos se confundem com rugidos de aviões que cortam vez em quando o ar parado de domingo. Nada demais acontece, nem tem porquê. Debato-me apenas, calada nesta sala com questões tão imensas das quais não posso dar conta: o amor, a música, o corpo, o dinheiro, a saudade, a morte. Debato-me com o barulho que fazem em mim, ouço meus pulmões que assoviam asmáticos, fumo mais um cigarro. A morte, a música, a saudade. Nada se move no céu parado de domingo.
Dois gritos roubam-me a concentração em meus devaneios. Um veio do lado esquerdo do prédio, me fazendo abrir os olhos num sobressalto - tragédia? Segundos depois, outro grito do vão direito. Tragédia nada, gol do Botafogo. Rio de mim mesma. Estou tão absorta em tentar achar soluções para a existência humana que me esqueço do que há de mais humano. Esqueço da gente.
Descobri há pouco um novo escritor que me tirou o sossego. Embora goste tanto, não consigo progredir há cerca de um ano em meus estudos literários por não poder mais contar com meus olhos. Ou andam longe, ou não funcionam. Tenho muito medo e choro, não quero perder meus olhos. Preciso saber da literatura. O homem que eu amo lê para mim quando me falta a visão. Nunca vi gesto mais bonito na vida. Lembro-me que foi num dia destes que pela primeira vez tive vontade de dizer o quanto o amava, mas não disse. Mesmo quando tenho os olhos, quando meus olhos estão saudáveis ainda e não me abandonam astigmata, ainda assim prefiro quando ele lê para mim. Porque gosto de sua maneira de me dizer as palavras e do modo como, poupando-me o uso dos olhos, me fornece um horizonte de imagens.
Preocupo-me demais ultimamente. Angustia-me não saber se haverá solução e por isso quando bebo, choro. Ou se não choro, visto minha casca de amargura e desprezo por tudo. Desprezo não, desprezo não é a palavra. A palavra é resignação. Que prevê a consciência, a frustração e os olhos baixos de dor na hora da aceitação. Será que foi assim que meus olhos me abandonaram? "Insuficiência de convergência dos músculos oculares" - disse-me o oftalmologista especialista em desenvesgar pessoas como eu. Incapacidade em focar ao mesmo tempo os dois olhos na mesma coisa ou palavra, visualizando-as deste modo embaçadas. Uma doença crônica desenvolvida a partir do astigmatismo. Falta de foco prolongada. Falta de coragem expandida. Temo. Quando decido pelo foco faltam-me os olhos e os músculos. Uma batalha de fracos, luta inglória? Temo. Ultimamente apenas preocupo-me com o que vai ser feito da música brasileira. Desespero-me em pensar, onde foi que ficamos tão burros? Choro compulsivamente quando bebo. Ouço as histórias do poeta e dou-lhe fortes abraços de despedida (ele não imagina o quanto é próximo de mim nem nunca saberá o quanto rezei ontem por seu aniversário). Eu tenho tanta fome de aprender. Dê-me olhos para enxergar e alimento para a poesia, dê-me algo de bom para comer.
É domingo, mas terça-feira é feriado. Nada deve ocorrer nestes dias, porém hoje um novo autor me emocionou. Quase que tive a esperança e o ímpeto de sair de casa para comprar um livro, mas desistí. Não tenho olhos. Gol contra o Botafogo, o silêncio é de resignação. Feriado prolongado, terça-feira é Dia do Trabalhador e ninguém deve fazer o ar de mormaço se mover até então, com excessão dos pássaros e aviões.
Eu quero trabalhar. Todo mundo deve ter este direito. Eu quero meus olhos de volta. Alguém me agende uma devolução para a quarta-feira.
Dois gritos roubam-me a concentração em meus devaneios. Um veio do lado esquerdo do prédio, me fazendo abrir os olhos num sobressalto - tragédia? Segundos depois, outro grito do vão direito. Tragédia nada, gol do Botafogo. Rio de mim mesma. Estou tão absorta em tentar achar soluções para a existência humana que me esqueço do que há de mais humano. Esqueço da gente.
Descobri há pouco um novo escritor que me tirou o sossego. Embora goste tanto, não consigo progredir há cerca de um ano em meus estudos literários por não poder mais contar com meus olhos. Ou andam longe, ou não funcionam. Tenho muito medo e choro, não quero perder meus olhos. Preciso saber da literatura. O homem que eu amo lê para mim quando me falta a visão. Nunca vi gesto mais bonito na vida. Lembro-me que foi num dia destes que pela primeira vez tive vontade de dizer o quanto o amava, mas não disse. Mesmo quando tenho os olhos, quando meus olhos estão saudáveis ainda e não me abandonam astigmata, ainda assim prefiro quando ele lê para mim. Porque gosto de sua maneira de me dizer as palavras e do modo como, poupando-me o uso dos olhos, me fornece um horizonte de imagens.
Preocupo-me demais ultimamente. Angustia-me não saber se haverá solução e por isso quando bebo, choro. Ou se não choro, visto minha casca de amargura e desprezo por tudo. Desprezo não, desprezo não é a palavra. A palavra é resignação. Que prevê a consciência, a frustração e os olhos baixos de dor na hora da aceitação. Será que foi assim que meus olhos me abandonaram? "Insuficiência de convergência dos músculos oculares" - disse-me o oftalmologista especialista em desenvesgar pessoas como eu. Incapacidade em focar ao mesmo tempo os dois olhos na mesma coisa ou palavra, visualizando-as deste modo embaçadas. Uma doença crônica desenvolvida a partir do astigmatismo. Falta de foco prolongada. Falta de coragem expandida. Temo. Quando decido pelo foco faltam-me os olhos e os músculos. Uma batalha de fracos, luta inglória? Temo. Ultimamente apenas preocupo-me com o que vai ser feito da música brasileira. Desespero-me em pensar, onde foi que ficamos tão burros? Choro compulsivamente quando bebo. Ouço as histórias do poeta e dou-lhe fortes abraços de despedida (ele não imagina o quanto é próximo de mim nem nunca saberá o quanto rezei ontem por seu aniversário). Eu tenho tanta fome de aprender. Dê-me olhos para enxergar e alimento para a poesia, dê-me algo de bom para comer.
É domingo, mas terça-feira é feriado. Nada deve ocorrer nestes dias, porém hoje um novo autor me emocionou. Quase que tive a esperança e o ímpeto de sair de casa para comprar um livro, mas desistí. Não tenho olhos. Gol contra o Botafogo, o silêncio é de resignação. Feriado prolongado, terça-feira é Dia do Trabalhador e ninguém deve fazer o ar de mormaço se mover até então, com excessão dos pássaros e aviões.
Eu quero trabalhar. Todo mundo deve ter este direito. Eu quero meus olhos de volta. Alguém me agende uma devolução para a quarta-feira.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Em boca fechada...
... Não entra mosquito.
Está muito bem dito o jargão popular.
Quem fala o que quer leva ao pé d`ouvido
O bem merecido e pode não gostar
Eu tenho pra mim - pois tenho vivido,
Que só é querido quem sabe chegar:
Se mete o bedelho onde não é bem-vindo,
Riscou labareda e vai se queimar
Eu uso a caneta no melhor sentido
Falando de amor, de saudade e canções
Mas ela também tem seu lado maldito
Arma de veludo para os fanfarrões
Mais disso eu não digo, ou comento fato
Leve os seus farrapos pra outro lavar
Em boca fechada, nào entra mosquito
Já está mais que bem dito o jargão popular.
Está muito bem dito o jargão popular.
Quem fala o que quer leva ao pé d`ouvido
O bem merecido e pode não gostar
Eu tenho pra mim - pois tenho vivido,
Que só é querido quem sabe chegar:
Se mete o bedelho onde não é bem-vindo,
Riscou labareda e vai se queimar
Eu uso a caneta no melhor sentido
Falando de amor, de saudade e canções
Mas ela também tem seu lado maldito
Arma de veludo para os fanfarrões
Mais disso eu não digo, ou comento fato
Leve os seus farrapos pra outro lavar
Em boca fechada, nào entra mosquito
Já está mais que bem dito o jargão popular.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Lua na Atlântica
Como pode, madre Lua
No turquesa em que flutua
Me deixar em plena Atlântica
Deste modo, seminua?
Falha tua, madre santa
Me botar em disparate
Tudo arde enquanto canta
Tua luz branda na tarde
Me acabe, despudorada
Sem teu manto de candura
Mas ainda baluarte
Dos poetas sem censura
Pobre eu, desavisada
Caminhando sem porque
Entre os homens da calçada
Hipnotizada por você
Nem reparo, que sou eu
Aqui despida nas ruas
Tua imagem a fazer
Fervilhar as carnes cruas!
No turquesa em que flutua
Me deixar em plena Atlântica
Deste modo, seminua?
Falha tua, madre santa
Me botar em disparate
Tudo arde enquanto canta
Tua luz branda na tarde
Me acabe, despudorada
Sem teu manto de candura
Mas ainda baluarte
Dos poetas sem censura
Pobre eu, desavisada
Caminhando sem porque
Entre os homens da calçada
Hipnotizada por você
Nem reparo, que sou eu
Aqui despida nas ruas
Tua imagem a fazer
Fervilhar as carnes cruas!
quarta-feira, 21 de março de 2012
Sem Palavras
O dia cedo, a folha em branco. Nas manhãs todos os sentimentos ainda frescos, com resto de sonhos, com resto do que a noite anterior deixou de amargo na boca. Nas manhãs, quanta vontade. Os planos do dia, o café preto, o cigarro - e nele mais um dia sem cumprir palavra. Então o branco da folha, o vazio da folha. Escrever apenas porque é necessário, mesmo sem inspiração ou tema, ainda que sejam rasas as palavras para nomear tanto vazio. Ainda que morto não ressone e não escrever seja uma espécie de morte temporária, um oco na alma. Gastei as palavras, desbotei-as buscando inutilmente explicar tantos sentimentos incompreensíveis e agora me vejo largada num catre humilde, resto humano. A língua portuguesa que tanto amo me abandona neste momento, entre farelos de linguagem. Eu apenas sussurro e balbucio onomatopéica, interjeitora. Ah! Dói perder-se da língua mãe! Volto ao Nheengatu sem glória, volto como um pombo que adentra o ninho do mavioso Uirapuru na mais cantante matina.
Alguém me forneça por piedade uma palavra! Uma palavra bonita, de forma perfeita, melódica. Me emprestem uma palavra para que dela eu faça a vida, invente uma sentença ou uma reclamação. Me dêem uma palavra brasileira que por sí só defina mil outras, que se encadeie em argolas, faça correntes de pensamento. Crie uma nova epistême! Quebre todos os muros e paradigmas da nova ciência, da sempre nova ciência.Uma palavra de comando, de revolução. Uma palavra de ordem! Com efeito, que arrepie, aperte nossos corações e passos. Que carregue as multidões!
Mas que por favor, não me fale ao peito de amor. Se eu falar mais uma vez de amor não sei o que será deste resto de gente que aqui pousa no catre. Tem piedade de mim, língua-mãe, vê o quanto já estão encharcadas de graxa as minhas penas, o óleo pesado que as fez maciços blocos. Já não tenho flutuabilidade, tampouco. Volta língua-mãe, e eu prometo te louvar com novos temas, ousar tempos verbais, errar menos. Volta e eu serei sempre súdita de tua beleza coesa. Volta e me ensina, me encaminha. Que eu não fale mais de amor. Que eu abrace todos os outros temas em detrimento deste. Ou que reste meu corpo silente no catre, inútil e murmurante, cansado e desbotado, a pele sumindo, a cor faltando, até que desvaneça como hoje você se foi de mim e eu fiquei vazia.
Mas volta, língua-mãe. Para que eu não seja mais tão rasa ao ponto de só falar do amor. Volta, por piedade. Eu te amo.
Alguém me forneça por piedade uma palavra! Uma palavra bonita, de forma perfeita, melódica. Me emprestem uma palavra para que dela eu faça a vida, invente uma sentença ou uma reclamação. Me dêem uma palavra brasileira que por sí só defina mil outras, que se encadeie em argolas, faça correntes de pensamento. Crie uma nova epistême! Quebre todos os muros e paradigmas da nova ciência, da sempre nova ciência.Uma palavra de comando, de revolução. Uma palavra de ordem! Com efeito, que arrepie, aperte nossos corações e passos. Que carregue as multidões!
Mas que por favor, não me fale ao peito de amor. Se eu falar mais uma vez de amor não sei o que será deste resto de gente que aqui pousa no catre. Tem piedade de mim, língua-mãe, vê o quanto já estão encharcadas de graxa as minhas penas, o óleo pesado que as fez maciços blocos. Já não tenho flutuabilidade, tampouco. Volta língua-mãe, e eu prometo te louvar com novos temas, ousar tempos verbais, errar menos. Volta e eu serei sempre súdita de tua beleza coesa. Volta e me ensina, me encaminha. Que eu não fale mais de amor. Que eu abrace todos os outros temas em detrimento deste. Ou que reste meu corpo silente no catre, inútil e murmurante, cansado e desbotado, a pele sumindo, a cor faltando, até que desvaneça como hoje você se foi de mim e eu fiquei vazia.
Mas volta, língua-mãe. Para que eu não seja mais tão rasa ao ponto de só falar do amor. Volta, por piedade. Eu te amo.
segunda-feira, 12 de março de 2012
A Lógica da Opressão
Às três da tarde engarrafamento na Praia de Botafogo? É obra ou acidente, com fortes chances de ser mesmo um acidente.
Morreu no Dia Internacional da Mulher. Era ruiva, magra, bonita. Tinha feito os pés na manicure do outro lado da rua, pintou de vermelho Nariz de Palhaço as unhas das mãos e de Renda as dos pés. Pés lindos e macios, agora frios embora estalados no asfalto quente, quase derretido. Cobriram-na com um véu branco enquanto demorava a chegada do IML - algo que a deixou parecendo uma noiva, com tapete negro ao invés de vermelho,que caminhara de encontro ao azar ao invés do amor. Vertigem. Foi oprimida por um carro em alta velocidade que desejava acelerar enquanto ela desejava passar. Nem uma gota de sangue: hemorragia interna, virou presunto.
Eu vi os olhos da morta, ví sua expressão de desencanto e resignação. Tive mais uma vez medo de morrer. Mas também percebi que morrer assim para ela não era novidade. Entendi, ela já estivera ali mil vezes antes e da mesma forma em vida. Para começar nasceu mulher e sendo mulher foi oprimida por pais, maridos, filhos e tios. Mataram já ali seus desejos mil vezes, usurparam-lhe o tempo, o sono, o visco da pele, a auto-estima. E foi oprimida pelo primeiro lugar na faculdade de direito, morreu porque era bonita e não poderia ser também inteligente, quem sabe se tornar juíza, desembargadora ou coisa afim. Se fosse, contentasse-se com a advocacia e a luta ingrata com as causas sociais. Boicotaram-na, morreu pra OAB. E morto um sonho, morto um pedaço do coração. E coração não é fígado. Não se regenera, embora aprenda a bater com menos-pedaço a cada desilusão.
Logicamente assim também oprimiu sua filha, sua velha mãe e seus irmãos mais novos. Mesmo sem querer fâzê-lo.
O ônibus oprime o carro, o carro oprime a bicicleta, a bicicleta oprime o pedestre, o adulto oprime a criança e o velho. O branco e o negro se oprimem mutuamente, o homem e a mulher também o fazem. Eu temo e muito pelas crianças, elas apenas aprendem. A menina rica oprime a babá, lhe tem autoridade. Também o faz o patrão com a babá, mas entre as coxas. O pobre oprime o rico no sinal de trânsito. A carência oprime o pobre em todos os cantos.
Se continuarmos assim, eu não sei o que será de nós. Ou vem a revolução do amor ao próximo, os nos devoraremos.
Eu temo pelas crianças, eu fico tão triste pelas crianças. Elas apenas aprendem.
Morreu no Dia Internacional da Mulher. Era ruiva, magra, bonita. Tinha feito os pés na manicure do outro lado da rua, pintou de vermelho Nariz de Palhaço as unhas das mãos e de Renda as dos pés. Pés lindos e macios, agora frios embora estalados no asfalto quente, quase derretido. Cobriram-na com um véu branco enquanto demorava a chegada do IML - algo que a deixou parecendo uma noiva, com tapete negro ao invés de vermelho,que caminhara de encontro ao azar ao invés do amor. Vertigem. Foi oprimida por um carro em alta velocidade que desejava acelerar enquanto ela desejava passar. Nem uma gota de sangue: hemorragia interna, virou presunto.
Eu vi os olhos da morta, ví sua expressão de desencanto e resignação. Tive mais uma vez medo de morrer. Mas também percebi que morrer assim para ela não era novidade. Entendi, ela já estivera ali mil vezes antes e da mesma forma em vida. Para começar nasceu mulher e sendo mulher foi oprimida por pais, maridos, filhos e tios. Mataram já ali seus desejos mil vezes, usurparam-lhe o tempo, o sono, o visco da pele, a auto-estima. E foi oprimida pelo primeiro lugar na faculdade de direito, morreu porque era bonita e não poderia ser também inteligente, quem sabe se tornar juíza, desembargadora ou coisa afim. Se fosse, contentasse-se com a advocacia e a luta ingrata com as causas sociais. Boicotaram-na, morreu pra OAB. E morto um sonho, morto um pedaço do coração. E coração não é fígado. Não se regenera, embora aprenda a bater com menos-pedaço a cada desilusão.
Logicamente assim também oprimiu sua filha, sua velha mãe e seus irmãos mais novos. Mesmo sem querer fâzê-lo.
O ônibus oprime o carro, o carro oprime a bicicleta, a bicicleta oprime o pedestre, o adulto oprime a criança e o velho. O branco e o negro se oprimem mutuamente, o homem e a mulher também o fazem. Eu temo e muito pelas crianças, elas apenas aprendem. A menina rica oprime a babá, lhe tem autoridade. Também o faz o patrão com a babá, mas entre as coxas. O pobre oprime o rico no sinal de trânsito. A carência oprime o pobre em todos os cantos.
Se continuarmos assim, eu não sei o que será de nós. Ou vem a revolução do amor ao próximo, os nos devoraremos.
Eu temo pelas crianças, eu fico tão triste pelas crianças. Elas apenas aprendem.
terça-feira, 6 de março de 2012
Manhãs no Aterro
Entre pedaladas, vou rezando: Senhor Deus, que eu nunca me acostume. Não permita que eu algum dia feche os olhos para a beleza das manhãs, para o brilho dourado dos trinta e cinco graus às 8h30 incidindo sobre a àgua turva da Guanabara. Não permita jamais que eu me acostume ao ponto de ignorar a natura, que é a mesma coisa que esquecer de Deus, que é a mesma coisa que não pensar no amor.
Sempre que preciso for, que a beleza ofusque meus olhos cheios de sono, aperte meus pulmões asmáticos, seque minha boca de ressaca, incomode-me, provoque-me. Que o destino mostre-se irritado com a minha distração crônica e irremediável e apresente uma amêndoa no caminho do chão e faça com que eu passando sobre ela quase desvie, quase caia. E fique esperta! E que ficando esperta repare na corrida do comboio dos meninos da Força Aérea do Brasil - Ah! os meninos da aeronáutica nas manhãs do aterro! - descamisados e cantantes, saltitantes meninos bronzeados, morenos, loiros, machos, viados. Lindos! Espetáculo comparável somente às partidas de "altinha" de fim de tarde no posto 9 de Ipanema. Quantas belas coreografias da carne!
Que eu tenha viço ao ponto de responder à algum gracejo só por brincadeira, mas que não seja brincadeira a minha vigilância comigo para que pense sempre na maravilha da natura: é preciso rememorá-la cotidianamente.
Assim como é necessário rememorar cotidianamente também os brasileiríssimos Reidy e Burle Marx, parisiense e paulistano, em ordem do primeiro para o segundo. Pense em seu carinho e engenhosidade em fazer o parque do aterro para os cariocas de nascença ou não. E pense nos vendedores de côco paraibanos (poetas da beira-aterro) com saudades da carne seca de bode, mas ainda assim aqui acorrentados pelo coração, ou pelo que há de movediço no fundo das àguas da Guanabara. E pense nos violões, nas canções e nos casais de namorados - também fenômenos da natura que assim como os meninos de Ipanema, costumam ocorrer com mais frequência no fim de tarde. Lembrar-se-há sempre do fato de que por ali passearão de mãos entrelaçadas, os lábios e vergonhas molhados. Por ali passarão apressados, bebendo a beleza da natura, mas na verdade pensando na hora de chegar em casa e ser a própria natura, multiplicá-la!
Nessas manhãs eu venho acordando. Redescobrindo o prazer, zombando do engarrafamento (que não é natureza nem amor), sentindo cheiro de gente matutina. Olfato limpo pra esta gente perfumada logo cedo. Nessas manhãs no aterro, eu venho acordando entre e para o Corcovado e o Pão de Açúcar, desde a Urca e até a Marina da Glória. E desconfio muito fatal e seriamente, estar apaixonada de cabo a rabo.
Sempre que preciso for, que a beleza ofusque meus olhos cheios de sono, aperte meus pulmões asmáticos, seque minha boca de ressaca, incomode-me, provoque-me. Que o destino mostre-se irritado com a minha distração crônica e irremediável e apresente uma amêndoa no caminho do chão e faça com que eu passando sobre ela quase desvie, quase caia. E fique esperta! E que ficando esperta repare na corrida do comboio dos meninos da Força Aérea do Brasil - Ah! os meninos da aeronáutica nas manhãs do aterro! - descamisados e cantantes, saltitantes meninos bronzeados, morenos, loiros, machos, viados. Lindos! Espetáculo comparável somente às partidas de "altinha" de fim de tarde no posto 9 de Ipanema. Quantas belas coreografias da carne!
Que eu tenha viço ao ponto de responder à algum gracejo só por brincadeira, mas que não seja brincadeira a minha vigilância comigo para que pense sempre na maravilha da natura: é preciso rememorá-la cotidianamente.
Assim como é necessário rememorar cotidianamente também os brasileiríssimos Reidy e Burle Marx, parisiense e paulistano, em ordem do primeiro para o segundo. Pense em seu carinho e engenhosidade em fazer o parque do aterro para os cariocas de nascença ou não. E pense nos vendedores de côco paraibanos (poetas da beira-aterro) com saudades da carne seca de bode, mas ainda assim aqui acorrentados pelo coração, ou pelo que há de movediço no fundo das àguas da Guanabara. E pense nos violões, nas canções e nos casais de namorados - também fenômenos da natura que assim como os meninos de Ipanema, costumam ocorrer com mais frequência no fim de tarde. Lembrar-se-há sempre do fato de que por ali passearão de mãos entrelaçadas, os lábios e vergonhas molhados. Por ali passarão apressados, bebendo a beleza da natura, mas na verdade pensando na hora de chegar em casa e ser a própria natura, multiplicá-la!
Nessas manhãs eu venho acordando. Redescobrindo o prazer, zombando do engarrafamento (que não é natureza nem amor), sentindo cheiro de gente matutina. Olfato limpo pra esta gente perfumada logo cedo. Nessas manhãs no aterro, eu venho acordando entre e para o Corcovado e o Pão de Açúcar, desde a Urca e até a Marina da Glória. E desconfio muito fatal e seriamente, estar apaixonada de cabo a rabo.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Um Carnaval
Eram tantos misturados, éramos apenas nós fantasiados de alegria aos montes. Foram dias de calor no sempre quente solo do Rio de Janeiro. Porém foram dias dotados de uma aura diferente, de uma catarse explosiva. Ebulição, calor e sangue. E além. Foi além, porque eu vi o poeta Ferreira Gullar sentar ao meu lado e sorrir para mim. O poeta riu da minha fantasia e disso foi feito mais que vida. Foi feita a vida que a gente desejava felicitar pelas ruas e deixar fingir, deixar jorrar. Inventamos do sorriso do poeta Ferreira Gullar a permissão para abraçarmos nossos irmãos pela primeira e última vez sem barreiras e beijar muito - beijar o mundo, em seguidos atos de carinho. Era o Carnaval envolvendo todos com seu mormaço e fornecendo o direito de fecharmos os olhos para a dor e de sermos felizes.
(E então neste momento me dirá o chato politicamente correto: " - Mas o Carnaval é o ópio do povo, nada se faz no Brasil antes do Carnaval, nenhum problema existe e isso, e aquilo outro e xurumelas..." E eu direi: " - Vai chorar pra lá seu chato! Vai porque eu sou poeta e só vivo do ópio, do sonho e da fantasia. Eu quero mais é que se dane tudo, tenho uma vida inteira para sofrer se for preciso, mas hoje não. Hoje é tudo poá e paetê.")
De duras já me bastam as verdades do mundo. Portanto ainda que eu me esfole, me lasque, me perca e enlouqueça nestes dias, ainda que tanta ilusão me cause feridas expostas, escancare meus medos e desejos mais absurdos e me desarme perante o espelho, eu vou me abir. Eu vou ser mais um coração na multidão, ou menor que isso, eu serei um glóbulo vermelho do sangue levado pelas veias e ruas da cidade ao coração da multidão pulsante ao som de "Cidade Maravilhosa".
Para citar o Chico pela última vez (ou que seja esta a derradeira mentira de Fevereiro): Carnaval, desengano.
Essa gente colorida me deixou sonhando...
(E então neste momento me dirá o chato politicamente correto: " - Mas o Carnaval é o ópio do povo, nada se faz no Brasil antes do Carnaval, nenhum problema existe e isso, e aquilo outro e xurumelas..." E eu direi: " - Vai chorar pra lá seu chato! Vai porque eu sou poeta e só vivo do ópio, do sonho e da fantasia. Eu quero mais é que se dane tudo, tenho uma vida inteira para sofrer se for preciso, mas hoje não. Hoje é tudo poá e paetê.")
De duras já me bastam as verdades do mundo. Portanto ainda que eu me esfole, me lasque, me perca e enlouqueça nestes dias, ainda que tanta ilusão me cause feridas expostas, escancare meus medos e desejos mais absurdos e me desarme perante o espelho, eu vou me abir. Eu vou ser mais um coração na multidão, ou menor que isso, eu serei um glóbulo vermelho do sangue levado pelas veias e ruas da cidade ao coração da multidão pulsante ao som de "Cidade Maravilhosa".
Para citar o Chico pela última vez (ou que seja esta a derradeira mentira de Fevereiro): Carnaval, desengano.
Essa gente colorida me deixou sonhando...
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Cá entre nós.
Era eu ou era ela, esmagando e inflando o teu coração
Enquanto o Chico cantava bonito a melodia de "Tipo um Baião" ?
Era ela ou era eu, quem decerto te fazia lembrar
O lamento de senzala, donde se olhava a "Sinhá"?
Era minha ou era dela aquela malfadada cena
De acarinhar cabelos brancos, sendo ainda "Essa Pequena"?
Quem constará em seu "Querido Diário" como a mulher daquele dia?
Será que fui eu ou foi só ela, quem tarde ocupou tua cama vazia?
Ah! "Se eu Soubesse", ainda assim andava
Nas ruas sombrias de nossos velhos tempos
Mas cá entre nós, ninguém nos ouça!
Pois são meus e são teus estes segredos
Embora os tenhamos escancarado...
E ela não saiba da missa o enredo
Já não é mais meu, nem eu sou sua.
Da arte é a vida o arremedo!
Enquanto o Chico cantava bonito a melodia de "Tipo um Baião" ?
Era ela ou era eu, quem decerto te fazia lembrar
O lamento de senzala, donde se olhava a "Sinhá"?
Era minha ou era dela aquela malfadada cena
De acarinhar cabelos brancos, sendo ainda "Essa Pequena"?
Quem constará em seu "Querido Diário" como a mulher daquele dia?
Será que fui eu ou foi só ela, quem tarde ocupou tua cama vazia?
Ah! "Se eu Soubesse", ainda assim andava
Nas ruas sombrias de nossos velhos tempos
Mas cá entre nós, ninguém nos ouça!
Pois são meus e são teus estes segredos
Embora os tenhamos escancarado...
E ela não saiba da missa o enredo
Já não é mais meu, nem eu sou sua.
Da arte é a vida o arremedo!
sábado, 4 de fevereiro de 2012
Ah! Os foliões.
Em homenagem ao sonorosíssimo bloco das Carmelitas
Então logo eu entendi - era o último ensaio do Carmelitas no pré-Carnaval.
Só sei que fazendo a lata de microfone ele cantava a saudosa marchinha:
“... Benzinho, não leve a mal
Só mais uma semana e começa o Carnaval
Me dê uns quinze dias pra poder pensar melhor
Se eu decido agora, te garanto que é pior
Carrego cá pra mim intuição
Ou uma espécie de superstição
Eu juro ser só teu o ano inteiro
Mas só depois que passar Fevereiro... “
Então logo eu entendi - era o último ensaio do Carmelitas no pré-Carnaval.
Só sei que fazendo a lata de microfone ele cantava a saudosa marchinha:
“... Benzinho, não leve a mal
Só mais uma semana e começa o Carnaval
Me dê uns quinze dias pra poder pensar melhor
Se eu decido agora, te garanto que é pior
Carrego cá pra mim intuição
Ou uma espécie de superstição
Eu juro ser só teu o ano inteiro
Mas só depois que passar Fevereiro... “
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
E quem não gosta?
Ah paixão, me deixa!
Vai pra longe de mim anjo alado!
Quanto mais se enrosca, mais se queixa
O meu coração sempre embriagado...
Ah quantos olhos, pernas, cabelos
Ah quantos cheiros, carinhos, risadas
Sendo o amor o maior dos apreços
Quantos tropeços, seguidas jornadas!
Se dentro de mim busco um canto isolado
De aconchego, onde eu seja sozinha
Ali também alguém me pede colo
E eu não sei negar quem acarinha...
Um amor pequeno, raro ou imenso
Um amor tenso, eterno ou manso
Qualquer grande amor, quando eu menos penso
Me leva o tormento e preenche meu canto!
Por isso sai de mim, me deixa!
Deixa eu seguir sozinha um instante
Pois quem mais gosta na falta se queixa,
Porque sem amor não se vai adiante.
Vai pra longe de mim anjo alado!
Quanto mais se enrosca, mais se queixa
O meu coração sempre embriagado...
Ah quantos olhos, pernas, cabelos
Ah quantos cheiros, carinhos, risadas
Sendo o amor o maior dos apreços
Quantos tropeços, seguidas jornadas!
Se dentro de mim busco um canto isolado
De aconchego, onde eu seja sozinha
Ali também alguém me pede colo
E eu não sei negar quem acarinha...
Um amor pequeno, raro ou imenso
Um amor tenso, eterno ou manso
Qualquer grande amor, quando eu menos penso
Me leva o tormento e preenche meu canto!
Por isso sai de mim, me deixa!
Deixa eu seguir sozinha um instante
Pois quem mais gosta na falta se queixa,
Porque sem amor não se vai adiante.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Pra Curar Dodói.
Preza pelo tempo, estas horas difíceis. Tem a elas um bocado de atenção. Preza que depois isso passa, e a gente quase se esquece o que houve, porque a felicidade tem mais força que o sofrimento, porque é necessário ser mais forte aquilo que te levanta do que aquilo que te faz olhar de perto o chão chapiscado. Cuida bem direito, ama suas migalhas, menina. Embrulha-as com veludo e perfume. Que elas hão de ser preciosas, que hão de ser sua enxada na terra instável das emoções. Quando de ti o sangue for vertido, reserva-o num pote transparente pois o sangue não coagula, mas sim resta fresco e vermelho-escuro, resta cheio de todas as suas doenças e vitaminas. Depois rega com ele uma grama, devolve-o para a terra que ela se encarrega de fazer nascer dali uma família de vermes, um pé de hibisco, ou simplesmente o absorve e bebe, devolvendo aos rios e afluentes, que são obviamente feitos do mesmo sangue que você. Tudo isso é vida e é uma delícia.
Faz teus planos singelos ou mirabolantes e acredita neles porque é necessário crer: O galho mais alto, o seguro da areia. O destino sempre vai te mostrar que você estava errada e o quanto é capaz de te surpreender, pro bem e pro mal. Olha só para você, que coisa boa! Cheia de dentes, pernas, cabelos. Olha quanta voz ainda tem para perder, quanta tenacidade para doar ao corpo de homens ruins, quanta flexibilidade para doar ao corpo de homens bons. Por favor, confia em mim que já vivi mais e apenas segue teu caminho. Não há outra maneira, percebe? Apenas segue teu caminho e escolhe a alegria de viver, como sempre escolheu e sempre lhe caiu muito bem. Em teu coração e em tua memória ainda cabem muitos, muitos sentimentos... Uns que você ainda nem sabe que existem, veja só. Que delícia, você já está sorrindo! Sorri meu bem, sorri aberto e gostoso. Sorri e dá gargalhadas, canta um axé, escorrega na lama, toma um banho de chuva sem ficar envergonhada, dança no meio da multidão desconhecida. No meio de teus irmãos, tão desconhecidos, mortais e perecíveis quanto você. A vida, menina, é uma viagem em todos os sentidos. Mas isso a gente só é realmente capaz de entender o que quer dizer depois que um bom tempo passa. E eu sei que não vou te convencer. Mas você já sorriu e já me entendeu, porque tem o coração aberto e os ouvidos atentos.
Agora vou limpar teu dodói com cachaça mineira, segura na minha mão que vai arder, mas passa. Isso, pronto...Até que foi rápido, não foi? Está de parabéns. Agora já pode voltar a brincar.
Faz teus planos singelos ou mirabolantes e acredita neles porque é necessário crer: O galho mais alto, o seguro da areia. O destino sempre vai te mostrar que você estava errada e o quanto é capaz de te surpreender, pro bem e pro mal. Olha só para você, que coisa boa! Cheia de dentes, pernas, cabelos. Olha quanta voz ainda tem para perder, quanta tenacidade para doar ao corpo de homens ruins, quanta flexibilidade para doar ao corpo de homens bons. Por favor, confia em mim que já vivi mais e apenas segue teu caminho. Não há outra maneira, percebe? Apenas segue teu caminho e escolhe a alegria de viver, como sempre escolheu e sempre lhe caiu muito bem. Em teu coração e em tua memória ainda cabem muitos, muitos sentimentos... Uns que você ainda nem sabe que existem, veja só. Que delícia, você já está sorrindo! Sorri meu bem, sorri aberto e gostoso. Sorri e dá gargalhadas, canta um axé, escorrega na lama, toma um banho de chuva sem ficar envergonhada, dança no meio da multidão desconhecida. No meio de teus irmãos, tão desconhecidos, mortais e perecíveis quanto você. A vida, menina, é uma viagem em todos os sentidos. Mas isso a gente só é realmente capaz de entender o que quer dizer depois que um bom tempo passa. E eu sei que não vou te convencer. Mas você já sorriu e já me entendeu, porque tem o coração aberto e os ouvidos atentos.
Agora vou limpar teu dodói com cachaça mineira, segura na minha mão que vai arder, mas passa. Isso, pronto...Até que foi rápido, não foi? Está de parabéns. Agora já pode voltar a brincar.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Na hora do amor partido.
Lá se foi outra vez o amor, pegou seu barco fantasma e partiu bruma adentro sem velas, lento... Piano se foi, pianinho em choramingos de quem ficou de coração quebrado, sem olhos ou voz, de quem ficou tão só. É hora de regressar, sair deste cais nebuloso onde jazem todas as ilusões mais bonitas, os planos de vida, as crianças mortas inda no ventre de mulheres vivas. E porque vivas, mortas por dentro, quanto pior, por dentro o buraco ainda mais vazio agora.
Outra vez o amor partiu macio, deixando nas docas o arrepio gélido de uma paixão extinta. De um fogo que recém - deixou de arder. E no frio da ausência que ainda nem é saudade de tão recente, que ainda nem é tristeza de tão chocante, que ainda nem dói por falta de costume do sofrimento, restou incólume aquele coração sempre crente de que ou volta ele ou volta o amor, em novas figuras doces, cheio de carne e sangue, pelo outro lado da cidade onde não há porto, mas há quebra-mar, há revolto mar, o mar bravio das paixões sempre bem-vindas.
O passo, a rua, o continente. A caminhada até o lado oposto a embarcação. Nas costas antes da partida, um sopro úmido de resto de ondas, do branco sal que servirá de cobertura e curtume dos sentimentos. Há de mantê-los ainda degustáveis ao longo do tempo, embora seja necessário passar tempo para curar (nos dois sentidos da palavra).
Baixos olhos, para não ver o amor partir de vez. Mas pompa e prumo, é célebre o fim de um amor. É momento de grande realeza. É quando invertem-se os papéis da boca e dos olhos, que outrora sorridentes brilhos, agora calados inchaços. E segue o vivente rumo à terra, às cavernas rochosas, tudo aquilo que perdura intacto depois do amor partir. Segue o vivente, que seguir é mister, inda que meio morto ou pedaço. Inda que de pernas pesadas e passos doloridos por todo o bem que um amor faz e deixa de fazer. Navegam fantasmas num mesmo imenso oceano os barcos de todos os amores que não perduraram. Se esbarram por vezes, naufragam, lutam entre si - piratas! Repetem-se as personagens com novos atores. E repetem-se sempre as dores de amores, como pragas, algas prolíferas, barreiras de corais coloridos e perigosos de se transpor.
E segue o vivente rumo aos campos, os seguros campos mansos e floridos da solidão. Imensos campos onde se caminha ou se deita e descansa finalmente, eternamente. Onde descansa salgado o vivente, de tanto suor e de tanto (a)mar.
Outra vez o amor partiu macio, deixando nas docas o arrepio gélido de uma paixão extinta. De um fogo que recém - deixou de arder. E no frio da ausência que ainda nem é saudade de tão recente, que ainda nem é tristeza de tão chocante, que ainda nem dói por falta de costume do sofrimento, restou incólume aquele coração sempre crente de que ou volta ele ou volta o amor, em novas figuras doces, cheio de carne e sangue, pelo outro lado da cidade onde não há porto, mas há quebra-mar, há revolto mar, o mar bravio das paixões sempre bem-vindas.
O passo, a rua, o continente. A caminhada até o lado oposto a embarcação. Nas costas antes da partida, um sopro úmido de resto de ondas, do branco sal que servirá de cobertura e curtume dos sentimentos. Há de mantê-los ainda degustáveis ao longo do tempo, embora seja necessário passar tempo para curar (nos dois sentidos da palavra).
Baixos olhos, para não ver o amor partir de vez. Mas pompa e prumo, é célebre o fim de um amor. É momento de grande realeza. É quando invertem-se os papéis da boca e dos olhos, que outrora sorridentes brilhos, agora calados inchaços. E segue o vivente rumo à terra, às cavernas rochosas, tudo aquilo que perdura intacto depois do amor partir. Segue o vivente, que seguir é mister, inda que meio morto ou pedaço. Inda que de pernas pesadas e passos doloridos por todo o bem que um amor faz e deixa de fazer. Navegam fantasmas num mesmo imenso oceano os barcos de todos os amores que não perduraram. Se esbarram por vezes, naufragam, lutam entre si - piratas! Repetem-se as personagens com novos atores. E repetem-se sempre as dores de amores, como pragas, algas prolíferas, barreiras de corais coloridos e perigosos de se transpor.
E segue o vivente rumo aos campos, os seguros campos mansos e floridos da solidão. Imensos campos onde se caminha ou se deita e descansa finalmente, eternamente. Onde descansa salgado o vivente, de tanto suor e de tanto (a)mar.
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