segunda-feira, 16 de julho de 2012

Daquele Ponto, Seguiu Amando

Todos dormem no coletivo: Segunda-feira, nem sete horas da manhã. O trocador com rosto oleoso e ainda bêbado abre os olhos vermelhos a cada parada e torna fechá-los em seguida, pendendo a cabeça sobre o pescoço molenga. Cada buraco no asfalto - é certo - lhe garantirá um belíssimo torcicolo tão doído e duradouro que lhe fará lembrar do porre de ontem até o próximo sábado. Segunda-feira, nem sete horas ainda. É tempo de começar a semana, mas não tão já. Mais quinze minutinhos de sono em vigília até o Alto Leblon (piscam duro olhos coloridos). Mais seis pontos pro Alto Leblon.
Parada. Entrou uma moça feia, mas já de batom. Deu bom dia ao motorista, ao trocador e a mim, que nada tinha a ver com a história e também bamba cochilava.
Sorria sozinha e sem motivo aparente. Na verdade, se não me engano flertou com o trocador nos dez segundos em que este se manteve de olhos abertos para rodar a catraca. Flor nos cabelos, sorriso vazando. Sentou-se no banco ao lado roubando minha atenção com trejeitos bem mais discretos que sua figura esquálida e nordestina. Abriu o zíper da enorme bolsa de napa cor-de-rosa e de lá tirou outra bolsinha brilhante com um estojo de maquiagem dentro. Abriu o espelho e começou a se admirar fazendo caras e bocas. Mais batom, mais pó. A difícil tarefa de passar rímel parecia uma dança ritmada com o trepidar de cabeça do trocador a cada buraco. A custosa tarefa contanto divertia-a, risonha. Era mais um disfarce que outra coisa. Era uma razão para olhar fundo em seus próprios olhos arregalados de segunda-feira manhã-cedinho e sorrir jocosamente, satisfeita. A mal-amada ao meu lado olhava desconfiada, a beata do banco de trás esconjurava, o trocador e o resto do coletivo dormiam. Ela apenas sorria:

Que noite de amor! Que noite! Era sim bonita, era sim capaz, gozava sim.Ai! Que semana bela pela frente, que lindo dia frio e chuvoso de alagamento no Rio de Janeiro. Que bom que Deus lhe dera aquele emprego de fome, que maravilha sua casinha na Providência, que sorte hoje de manhã ter havido água encanada para aquele banho de princesa. Que bom ter a maloca da vizinha para deixar os meninos que estão de férias, que bom que o ônibus parou no ponto sem encharcá-la, o guarda-chuva não virou e o amor aconteceu. O amor aconteceu no fim de semana e trouxe a alegria de viver junto da segunda-feira.
O amor coloriu a vida e os lábios de encarnado, como faz com qualquer vida de amador.

E eu, que apenas sofria, fiquei feliz pela cabocla. Tornei fechar os olhos e sonhei mil acontecimentos alegres. Ponto sexto, solavanco. Chegada ao Leblon e um cartaz pendurado no poste de luz:

" Amor não tem hora,
acordo nem projeto.
O amor é papo-reto "

Abri os olhos na segunda-feira, meio acordada, meio não.
A Macabéia seguiu amando.







2 comentários:

  1. E aí, quando mesmo que a gente compila tudo e publica um livro seu mesmo??

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  2. Obrigada pelo carinho e estímulo, minha querida amiga. Quem sabe quando, quem sabe... Muitos beijos!

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