Entre pedaladas, vou rezando: Senhor Deus, que eu nunca me acostume. Não permita que eu algum dia feche os olhos para a beleza das manhãs, para o brilho dourado dos trinta e cinco graus às 8h30 incidindo sobre a àgua turva da Guanabara. Não permita jamais que eu me acostume ao ponto de ignorar a natura, que é a mesma coisa que esquecer de Deus, que é a mesma coisa que não pensar no amor.
Sempre que preciso for, que a beleza ofusque meus olhos cheios de sono, aperte meus pulmões asmáticos, seque minha boca de ressaca, incomode-me, provoque-me. Que o destino mostre-se irritado com a minha distração crônica e irremediável e apresente uma amêndoa no caminho do chão e faça com que eu passando sobre ela quase desvie, quase caia. E fique esperta! E que ficando esperta repare na corrida do comboio dos meninos da Força Aérea do Brasil - Ah! os meninos da aeronáutica nas manhãs do aterro! - descamisados e cantantes, saltitantes meninos bronzeados, morenos, loiros, machos, viados. Lindos! Espetáculo comparável somente às partidas de "altinha" de fim de tarde no posto 9 de Ipanema. Quantas belas coreografias da carne!
Que eu tenha viço ao ponto de responder à algum gracejo só por brincadeira, mas que não seja brincadeira a minha vigilância comigo para que pense sempre na maravilha da natura: é preciso rememorá-la cotidianamente.
Assim como é necessário rememorar cotidianamente também os brasileiríssimos Reidy e Burle Marx, parisiense e paulistano, em ordem do primeiro para o segundo. Pense em seu carinho e engenhosidade em fazer o parque do aterro para os cariocas de nascença ou não. E pense nos vendedores de côco paraibanos (poetas da beira-aterro) com saudades da carne seca de bode, mas ainda assim aqui acorrentados pelo coração, ou pelo que há de movediço no fundo das àguas da Guanabara. E pense nos violões, nas canções e nos casais de namorados - também fenômenos da natura que assim como os meninos de Ipanema, costumam ocorrer com mais frequência no fim de tarde. Lembrar-se-há sempre do fato de que por ali passearão de mãos entrelaçadas, os lábios e vergonhas molhados. Por ali passarão apressados, bebendo a beleza da natura, mas na verdade pensando na hora de chegar em casa e ser a própria natura, multiplicá-la!
Nessas manhãs eu venho acordando. Redescobrindo o prazer, zombando do engarrafamento (que não é natureza nem amor), sentindo cheiro de gente matutina. Olfato limpo pra esta gente perfumada logo cedo. Nessas manhãs no aterro, eu venho acordando entre e para o Corcovado e o Pão de Açúcar, desde a Urca e até a Marina da Glória. E desconfio muito fatal e seriamente, estar apaixonada de cabo a rabo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário