terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reflexiva

... E sobre meus medos,
Quando escrever eu tento,
Não sei se deles me livro,
Ou se em livro os invento...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Fabuleta Brasileira

No dia seguinte, troquei os lençóis ainda sob a influência da imagem do gigante. As fronhas encharcadas, atirei no cesto de roupa suja, que não obstante me lembrava da montanha - mais precisamente do morro, uma vez que em se falando de uma fabuleta brasileira, não poderia conter a talvez única paisagem natural da qual fomos desprovidos - donde o tal devia mesmo ter migrado para dentro de mim num certo sonho embriagado.

***

"REZA, MEU BEM"

Antes de dormir ainda pensei que deveria rezar um padre-nosso, agradecer pelo dia esplêndido, e resolvi fazê-lo debruçando-me sobre o cavaco e entoando um Mauro Duarte desarmónico, porém com uma ladainha bonita, melodiosa: "reza, que acalma...".
Deitei-me de luzes apagadas, porém ouvidos alertas. Lá fora uma garoa que há dias insistia apesar de meio novembro, deixando os cariocas meio entocados. Silêncio, cães, cigarras! Cigarras são sinal de que ai vem sol. Ou seriam sapos? Ambos, muito provavelmente.Se amanhã o sol vier mesmo, ja viu que beleza. Todo mundo fica doente e mata o serviço para ir à praia. Todo mundo, naquelas...
Assuntos flutuavam pela cabeça, como flashes ou como nuvens, como vento. No escuro, se vê e se ouve de outras perspectivas, o que um amigo artista chamou um dia de "olhos de dentro", numa bonita alegoria. Deve ter sido a esta altura que adormeci.

***

"PELO CORPO E PELA ALMA."

Sei que eu subia uma imensa pedra, um morro de sal, e havia uma linda música além dos seres mais diversos, uns coloridos, outros rabiscados. Avistei num rabo de olho, à moldura de um belo sorriso um ser que imaginei ser algum tipo de "troll" ou de gigante. Preferi gigante para evitar estrangeirismo desnecessário. Talvez por destacar-se em meio a multidão, eu o seguia com os olhos, os passos largos, as mãos imensas, a juba preta.
Por uma fração de sonho o perdi de vista, e num momento de distração percebo-o parado perante mim. Me pega pela mão, me faz sumir em seu peito e reapareço então sempre do mesmo modo, nadando em seu peito, levitando-me por suas mãos, suando poesia.
Banhada, despertei novamente à consciência após derreter-me a cores.
Ainda no mesmo dia, troquei as fronhas.

***

No dia seguinte, troquei os lençóis ainda sob a influência da imagem do gigante.

Racionalizando

As coincidências jamais serão as reticências.
Reticências são a hipocrisia no livro, e a hipocrisia é a reticência da sociedade, já me ensinou adolescente um certo escritor mulato, com sobrenome de santo padroeiro dos animais. Só esqueceu de dizer das coincidências e das confluências, que em relação às reticências configuram pontos de exclamações e pontos finais.
Permita-me uma orgia de palavras sobre um certo hexágono amoroso hipotético e sobre a hipocrisia.

Meu ex-marido com a ex-mulher de um amigo meu, e também hoje minha ex-amiga. Meu ex-marido, que cantou a minha amiga primeiro, e a ex-mulher do meu amigo, que também cantou a minha amiga, mas ela deu toco nos dois. Daí o amigo da ex-mulher do meu amigo e eu, confluindo numa coincidência. O ex-marido da ex-mulher que está com meu ex-marido, gostou também da minha amiga, e por aí andamos, ele, eu, minha amiga e o amigo da ex-mulher do amigo meu, de mãos dadas comigo! (...)

Mulato, o que me dirias, que fenomenal hipocrisia! Mas como julgar reticentes tantas coincidências profícuas, promíscuas, prostíbulas aqui nesta minha Lapa querida?
Me conte mais, mulato, da hipocrisia no livro, e das reticências da nossa sociedade, enquanto me esbarro em tantas exclamações e pontos finais. Senão mesmo eu, que sou dada às palavras, com tanta esbórnia acabarei me perdendo, e a todo este enrosco tremendo, traduzirei equação.O que os olhos não vêem não fere ao coração, mulato! Perante tanta coincidência, reticência e hipocrisia, que alegria poder tornar matemático aquilo que ao sistema para-simpático até então estremecia:

... + ... = . / ...+ ! = . / ! + ...= ./ ... (!)² /!+!= !

(...)