terça-feira, 19 de julho de 2011

Com meu botões.

Assim que o céu cobrir de fino tule seu breu, logo nos primeiros pontos de madrugada eu vou...

Embora aos poucos e com preguiça descosturar os tecidos grudados até então, fiapo por fiapo, prega por prega. Com calma recolher as pedaços de pano abandonados no caminho, escorrer novamente e quem sabe pela última vez a fazenda macia sobre o antebraço, sentir o peso e a boa textura que possui, o que ela causa na pele. Entre os dedos acarinhar as franjas escuras, mechas de melindrosa fantasia de um efêmero carnaval, os penachos, sentir-lhes o cheiro. Levar talvez um fio grudado no sapato.
Desenrolar um carretel inteiro de barbante de uma só vez, gastar verbo, há tantas histórias para contar. Ver o fim da linha, o derrubar voado do carretel, encerrar tudo isso num bordado multicolorido: ponto-cruzes credo, renda-se de bilro, umas lantejoulas latejantes.
Olhar para o ateliê desarrumado, ouvir o bater seco de portas atrás.

Assim que o céu cobrir de rude chita seu clarão, logo nos primeiros pespontos de arremate, eu volto...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Implacável

Guarda em teus olhos a calma que possuías antes de me conhecer, aquieta tua alma terna e carinhosa, aquieta teu espírito que amor nenhum vale uma dor tão profunda. Recupera naquela admiração por flores e melodias a beleza de um amor vivente, a beleza de saber que sempre há, invariável e insuperavelmente, um novo amor. Abraça teu instrumento onde antes havia meu corpo cantante, busca nele a guarida, compõe uma nova história
- pacifica por favor teu coração! - que todo fim é em tempo o começo também.
É certo, logo vem um novo amor.
E este novo amor, acredita, também virá belo e eterno em sua imperfeição, será tudo em seu dia longo, será devoção e alegria... Aos bocados vai encher a casa de perfume, vai te deixar acordado ainda que com sono, vai te preocupar profundamente com o tamanho dos cômodos e sobre a reforma quando os filhos vierem.
E depois de certo tempo, sendo este novo amor vivido, também ele passará, invariável e insuperavelmente, doerá no fundo da alma por uns dias ou anos e tornar-se-á cada vez menos profundo e mais desbotado, até que num porre ou numa benção seja exorcizado de sí, até que passe.

O tempo, este Deus de tudo sabedor.

Guarda em teus olhos a calma que possuías, pois eu não pretendia te privar de nada nem tampouco desejei o fim de tudo, eu até tentei muito. Mas o fim quando vem é inevitável, a morte é na vida a única certeza, assim como é certo o fim de um amor que ficou mal de saúde, que se perdeu num labirinto de dúvidas, que se enganou inocente. Um amor qualquer como o amor da gente, que foi tão bonito e tanto me fez feliz.
Aquieta tua alma, faz um chá. Olha pra televisão como se fizesse sentido, ri a tôa por alguma besteira, é como tenho feito. Fuma alguma coisa, cozinha algo demorado, ajuda o tempo a passar mais depressa, que o tempo não tarda ainda que amanhã demore, ainda que sofra mais um pouquinho e uma lágrima corra molhando teu belo rosto. Lava tua linda face com uma água boa de cachoeira que amor vem chegando, em algum lugar deste mundo afora ele vem caminhando em sua direção, espreita, faz tocaia silencioso e mais hora menos hora te toma de assalto.
E eu, com minhas palavras vazias espero com paciência este teu amor chegar e me doer, me açoitar sem pena e rir da minha cara como quem diz : foi você quem me deixou, foi você quem zombou deste amor e agora pena a tua dor sozinha ou com teus amigos do bar, com teus livros ensebados.

O tempo, este Deus implacável (ou como aprendi hoje comendo um dicionário - aquele que não perdoa).

terça-feira, 12 de julho de 2011

Uma cigana.

Cruzou a cigana comigo, me pediu a mão em troca de nada. Trazias notícias de vidas passadas, oráculo preciso do mistério: - Vem minha filha, deixa eu ler tua mão.
Eu relutante mas ainda mais curiosa, espalmei.
Olhou atenta minha mão direita, tornou olhar. Eu sabia por quê ela se questionava. Não esperava encontrar em minha palma uma cicatriz tão profunda que rasga do mindinho ao dedão.
Olhou-me com seus olhos negros profundos e desolada me disse apenas que se havia destino para mim traçado, a própria vida já havia tratado de desfazer as linhas, espalhá-las, mas sem que as reorganizasse. A cigana temeu por minha sorte, eu vi em seus olhos o que ela não havia sido capaz de enxergar em minha mão. Pobre diaba, apenas atravessei a rua e continuei minha caminhada em direção a lugar nenhum.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ócio criativo

O dia todo eu só lembrava, mas de tanto me esforçar consegui esquecer.
Por 60 segundos fiz outra coisa e escrevi duas linhas sem pensar em você.