segunda-feira, 12 de março de 2012

A Lógica da Opressão

Às três da tarde engarrafamento na Praia de Botafogo? É obra ou acidente, com fortes chances de ser mesmo um acidente.

Morreu no Dia Internacional da Mulher. Era ruiva, magra, bonita. Tinha feito os pés na manicure do outro lado da rua, pintou de vermelho Nariz de Palhaço as unhas das mãos e de Renda as dos pés. Pés lindos e macios, agora frios embora estalados no asfalto quente, quase derretido. Cobriram-na com um véu branco enquanto demorava a chegada do IML - algo que a deixou parecendo uma noiva, com tapete negro ao invés de vermelho,que caminhara de encontro ao azar ao invés do amor. Vertigem. Foi oprimida por um carro em alta velocidade que desejava acelerar enquanto ela desejava passar. Nem uma gota de sangue: hemorragia interna, virou presunto.
Eu vi os olhos da morta, ví sua expressão de desencanto e resignação. Tive mais uma vez medo de morrer. Mas também percebi que morrer assim para ela não era novidade. Entendi, ela já estivera ali mil vezes antes e da mesma forma em vida. Para começar nasceu mulher e sendo mulher foi oprimida por pais, maridos, filhos e tios. Mataram já ali seus desejos mil vezes, usurparam-lhe o tempo, o sono, o visco da pele, a auto-estima. E foi oprimida pelo primeiro lugar na faculdade de direito, morreu porque era bonita e não poderia ser também inteligente, quem sabe se tornar juíza, desembargadora ou coisa afim. Se fosse, contentasse-se com a advocacia e a luta ingrata com as causas sociais. Boicotaram-na, morreu pra OAB. E morto um sonho, morto um pedaço do coração. E coração não é fígado. Não se regenera, embora aprenda a bater com menos-pedaço a cada desilusão.
Logicamente assim também oprimiu sua filha, sua velha mãe e seus irmãos mais novos. Mesmo sem querer fâzê-lo.
O ônibus oprime o carro, o carro oprime a bicicleta, a bicicleta oprime o pedestre, o adulto oprime a criança e o velho. O branco e o negro se oprimem mutuamente, o homem e a mulher também o fazem. Eu temo e muito pelas crianças, elas apenas aprendem. A menina rica oprime a babá, lhe tem autoridade. Também o faz o patrão com a babá, mas entre as coxas. O pobre oprime o rico no sinal de trânsito. A carência oprime o pobre em todos os cantos.
Se continuarmos assim, eu não sei o que será de nós. Ou vem a revolução do amor ao próximo, os nos devoraremos.
Eu temo pelas crianças, eu fico tão triste pelas crianças. Elas apenas aprendem.






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