sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Conto de Natal

Nasceu e cresceu ali, e ali aprendeu a amar o rock`n`roll. Aos dezessete já era muito mal visto, por fazer parte da restrita legião de malucos, drogados, artistas e prostitutas da pequena cidade. Pelas infindáveis vezes em que tomou porres e passou mal, ficou conhecido como Vumito, o Edson. Daí Vu, Vumitão, tudo que era superlativo era com ele mesmo, e aos vinte e tantos foi grande sucesso de violão em punho cantando Guns, Led, Dylan, entre outros clássicos no Bangalô Bar, também conhecido como "curva de rio" na boca pequena : "onde tudo o que é tranqueira para", o conhecido pelos frequentadores como único reduto dos poucos artistas e porra-loucas da cidade.

(Bangalô, que saudade de jogar uma sinuca doida às quatro da matina...)

Fiquei sabendo do acidente do Vumito lá mesmo, no Bangalô. Capotou o carro na estrada, doidão, ninguém sabia se ia vingar. Daí história a beça, de que estava acompanhado de duas rameiras, que tinha um quilo de pó na caçamba, que tinha dormido ao volante, pouco importa. O foda era pensar na noite dos malucos da cidade pequena e já tão carente de música sem a arte apaixonada do Vumitão.
Um ano depois, estava sentada no balcão do Banga quando recebi do garçon uma dose de wisky, que alguém tinha me mandado. Eu com quinze anos era mesmo da pesada. Aceitei, e quando olhei para trás afim de ver quem havia me enviado o cortejo, vi uma cena estranha lá na àrea. Um deficiente físico, em cadeira de rodas, adentrando no recinto. Olhei uma segunda vez, assim que a galera saiu do entorno do cara, e qual não foi minha surpresa ao ver que era ele, o Vumito, de violão em punho como sempre, cabelo comprido e bota coturno, camiseta preta dos Stones. Foi levado até o palco, e deu seu show, como se nada tivesse acontecido, ou o abalado. O bar quase foi abaixo de emoção.
Isso foi por volta do ano 2000 se bem me lembro, quase onze anos já foram levados pela poeira do tempo, e eu nunca mais soube desta figura.
Ontem contudo, me surpreendi ao chegar em um boteco na mesma cidade,do outro lado da rua do extinto Bangalô Bar, com as mesmas pessoas que encontro todos os finais de ano invariavelmente, e ver o cara, the rock legend, o Vumitão tocando aqueles bons e velhos rock`n`rolls. Porém, o Bangalô já não havia mais, nem os antigos porras-loucas, nem sinuca, nem Jack Daniel`s, e eu quase chorei quando ele tocou "Sweet Child o`Mine" e ninguém soltou um "yeah, rock!!", como antigamente, nos tempos àureos... só eu, e ele soube o por quê.

(Uma vez, antes do acidente, ele me deu o microfone para cantar e saiu fora bem nesta música, se mandou na doideira, e eu segurei a onda da galera mandando ver na Janis)

Mandou no fim da noite umas dez saideiras, como bom artista que não estaria mais feliz em outro lugar do que ali. Ali ele existia, ali podia ser quem era, e assim persistia, fazendo sua arte para deficientes artísticos, quase como uma caridade, um verdadeiro Papai-Noel ou um Jesus com semblante e tudo, na cabeleira loira caída aos ombros, que sabendo da falta de arte daquela gente os presenteava sem nada pedir em troca, os brindava com sorrisos sem dente, com o velho violão apoiado no colo, e aquelas melodias tortas e lindas, aquela dádiva em pessoa.
Quando fui embora, me despedindo com um aceno de cabeça, ainda estava lá, mandando "Wish you were here" de saideira, emocionado, arrastando no andamento e caprichando nos agudos.
Neste ano, seja a canção de Vumito, sua persistência, seu exemplo de amor à arte, sua garra e especialmente sua habilidade de tocar o foda-se para quem não sabe do que ele esta falando, meu hino natalino.
Rock it, man.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Primeiro Amor

Minha irmã, vem cá, tenho um segredo e é só pra você que conto pois é minha irmã mais velha e eu nunca contei isso a ninguém.
Desde que você chegou eu queria te dizer algo, mas aos doze anos como é difícil falar de amor. Aos doze anos a gente sente amor por bicho, por mãe, por amiga e por irmã (por irmã sim, muito amor, ainda mais irmã mais velha que vive longe e quando volta vem cheia de histórias novas, vem aqui pro interior toda diferente e às vezes é só pelo cheiro de cigarro que te reconheço). Mas amor por um menino, irmã eu acho que estou gostando de um menino, e eu não sei bem o que isso quer dizer.
Ele é um ano mais velho, estuda na mesma escola que eu e eu sei que ele nem desconfia que eu goste dele, quer dizer, eu nem sei mesmo se eu gosto dele, e é isso que eu preciso que você me explique, irmã. Depois que entrei de férias e não o vi mais, achei que eu estava enganada e que não tinha nada a ver achar que gostava dele. Não fiquei pensando nele nem nada, apesar de eu achar que ele é o menino mais bonito que eu já conheci. Mas daí um dia eu estava com a mamãe no mercado, (a mamãe não pode saber, hein, promete que não conta). Eu estava com a mamãe no mercado e eu vi ele passando com a mãe dele. Mana, meu coração deu um pulo, não sei o que senti, mas fiquei toda mole e tremi, você acredita que eu tremi? Quase que a mamãe percebeu, não sei o que me deu irmã, mas eu acho que isso é gostar, assim que nem você gosta quando tem um namorado.
O pior é que não sei o que fazer, porque agora estou de férias e se eu tiver que esperar até o começo do ano para ver ele de novo acho que sou capaz de ter um piripaque. Ele tem um jeitinho todo loiro, sabe, de olho azul que mais parece um destes artistas que você conhece lá no Rio de Janeiro, e eu fico pensando a noite e fecho os olhos e vem logo ele na minha cabeça, conversando com os amigos na hora do recreio.
Irmã, me ajuda. Será que eu estou apaixonada?



Minha flor pequena, que eu embalei de colo
Que amo mais que tudo, meu céu
Já deixastes há tempo as fraldas, teu corpinho já toma formas
E sempre que chego de longe,
(Tentando disfarçar o cheio do cigarro para que não repares)
Me espanta o quanto estás alta e bela,
E me alegra ver o quanto conservas desde meu colo a meiguice.
Hoje vens a mim como quem espera um conselho, e eu
Tua irmã maior,
Me pasmo perante a clareza de teus sentimentos,
Perante tua simplicidade em descrevê-los,
Vens me dizer que tens um amor de menina-moça!
Logo eu, que ainda me vejo tão infantil no amor
Que apesar de colecionar histórias, no amor me sinto inda menina,
Tão aprendiz!
Agora queres um conselho de tua irmã maior, e o que ela tem a te dizer?
Acho sim, que estás apaixonada
Acho que sabes que eu também estou
Mas no mais, sobre o tema...
Só sei que mais tenho eu a aprender contigo.

Pois no dia em que você surgiu no mundo, fez a palavra amor ter sentido.

Agora partes para uma primeira jornada, onde ainda há de viver de tudo... vais chorar e sofrer um pouco, parte da vida e parte do amor, mas vais ter tantas alegrias quantas nem podes imaginar! E saibas sempre que eu estarei aqui, longe ou perto, estarei aqui. Para te dar colo e para também receber do teu colo, onde hoje também já caibo, meus Deus, como você cresceu.

Aonde é que eu estava quando você cresceu?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reflexiva

... E sobre meus medos,
Quando escrever eu tento,
Não sei se deles me livro,
Ou se em livro os invento...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Fabuleta Brasileira

No dia seguinte, troquei os lençóis ainda sob a influência da imagem do gigante. As fronhas encharcadas, atirei no cesto de roupa suja, que não obstante me lembrava da montanha - mais precisamente do morro, uma vez que em se falando de uma fabuleta brasileira, não poderia conter a talvez única paisagem natural da qual fomos desprovidos - donde o tal devia mesmo ter migrado para dentro de mim num certo sonho embriagado.

***

"REZA, MEU BEM"

Antes de dormir ainda pensei que deveria rezar um padre-nosso, agradecer pelo dia esplêndido, e resolvi fazê-lo debruçando-me sobre o cavaco e entoando um Mauro Duarte desarmónico, porém com uma ladainha bonita, melodiosa: "reza, que acalma...".
Deitei-me de luzes apagadas, porém ouvidos alertas. Lá fora uma garoa que há dias insistia apesar de meio novembro, deixando os cariocas meio entocados. Silêncio, cães, cigarras! Cigarras são sinal de que ai vem sol. Ou seriam sapos? Ambos, muito provavelmente.Se amanhã o sol vier mesmo, ja viu que beleza. Todo mundo fica doente e mata o serviço para ir à praia. Todo mundo, naquelas...
Assuntos flutuavam pela cabeça, como flashes ou como nuvens, como vento. No escuro, se vê e se ouve de outras perspectivas, o que um amigo artista chamou um dia de "olhos de dentro", numa bonita alegoria. Deve ter sido a esta altura que adormeci.

***

"PELO CORPO E PELA ALMA."

Sei que eu subia uma imensa pedra, um morro de sal, e havia uma linda música além dos seres mais diversos, uns coloridos, outros rabiscados. Avistei num rabo de olho, à moldura de um belo sorriso um ser que imaginei ser algum tipo de "troll" ou de gigante. Preferi gigante para evitar estrangeirismo desnecessário. Talvez por destacar-se em meio a multidão, eu o seguia com os olhos, os passos largos, as mãos imensas, a juba preta.
Por uma fração de sonho o perdi de vista, e num momento de distração percebo-o parado perante mim. Me pega pela mão, me faz sumir em seu peito e reapareço então sempre do mesmo modo, nadando em seu peito, levitando-me por suas mãos, suando poesia.
Banhada, despertei novamente à consciência após derreter-me a cores.
Ainda no mesmo dia, troquei as fronhas.

***

No dia seguinte, troquei os lençóis ainda sob a influência da imagem do gigante.

Racionalizando

As coincidências jamais serão as reticências.
Reticências são a hipocrisia no livro, e a hipocrisia é a reticência da sociedade, já me ensinou adolescente um certo escritor mulato, com sobrenome de santo padroeiro dos animais. Só esqueceu de dizer das coincidências e das confluências, que em relação às reticências configuram pontos de exclamações e pontos finais.
Permita-me uma orgia de palavras sobre um certo hexágono amoroso hipotético e sobre a hipocrisia.

Meu ex-marido com a ex-mulher de um amigo meu, e também hoje minha ex-amiga. Meu ex-marido, que cantou a minha amiga primeiro, e a ex-mulher do meu amigo, que também cantou a minha amiga, mas ela deu toco nos dois. Daí o amigo da ex-mulher do meu amigo e eu, confluindo numa coincidência. O ex-marido da ex-mulher que está com meu ex-marido, gostou também da minha amiga, e por aí andamos, ele, eu, minha amiga e o amigo da ex-mulher do amigo meu, de mãos dadas comigo! (...)

Mulato, o que me dirias, que fenomenal hipocrisia! Mas como julgar reticentes tantas coincidências profícuas, promíscuas, prostíbulas aqui nesta minha Lapa querida?
Me conte mais, mulato, da hipocrisia no livro, e das reticências da nossa sociedade, enquanto me esbarro em tantas exclamações e pontos finais. Senão mesmo eu, que sou dada às palavras, com tanta esbórnia acabarei me perdendo, e a todo este enrosco tremendo, traduzirei equação.O que os olhos não vêem não fere ao coração, mulato! Perante tanta coincidência, reticência e hipocrisia, que alegria poder tornar matemático aquilo que ao sistema para-simpático até então estremecia:

... + ... = . / ...+ ! = . / ! + ...= ./ ... (!)² /!+!= !

(...)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mais uma da série Relembrando....

25 de Maio de 2009


Das dores de Dolores


Dolores,
Eu te chamava porque tinhas tantas
Dolores, nem uma semana tinhas e ainda assim já tão cheia
De uma inconformidade, uma veia de não querer
Dolores,
Eu te amei porque eras frágil,
Eu te quis cuidar as dores,
Eu te quis encher a pança,
Eu te quis ver caminhar...
E que paradoxal desejo, quando tu respiravas e eu não sabia
Se era porque ficavas,
Ou se era porque ias,
Dolores eu te imagino não tendo.
Nem remoendo, nem torcendo o pescoço,
Dolores, eu te daria um osso,
Eu te mudaria pra sempre o nome
E jamais contaria a ninguém das tuas
Dolores,
E quando perguntassem, poderias apenas dizer-lhes
Que te chamassem de Maria.
Maria dos Prazeres.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Comemorando o aniversário do Tabuleiro, vou repostar poemas e contos do primeiro ano de publicações. Espero que gostem de relembrar!

21 de abril de 2009.

O tempo e o artista ( como já disse o grande poeta).


A arte, ao artista expõe.
É uma sátira ao íntimo, um delicado escracho.
Uma vez feito tinta, feito acorde ou palavra, tudo aquilo o que o artista é se esvai de si mesmo e preenche a grande tela:
Engana-te em pensares que serás infinitamente criador da vida!
A arte não aumenta! A arte seca, sua pelos poros, em cada pincelada, em cada nota. A arte é apenas o efeito de dissipar-se.
É por isso que os velhos vão perdendo o vigor de seus músculos, a cor dos cabelos e enfraquecem aos poucos a voz : tu, que és artista, vês um velho poeta a constuir um barco, vês os lábios murchos a sorrir e pensas.
Não foi aquilo que agregou, que comeu ou respirou o que vês. Mas sim, vês toda a arte que aquele velho já emprestara de si ao mundo, o quanto o coloriu.
Tu, artista. Que se expõe e se esvai, que murcha. Tu que és pescador, vês o velho e pensas:
Quanta beleza já emprestastes ao mundo!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um samba por fazer.

(Para deixar um)
Rastro de sorriso no canto da Lua
Um tímido encontro no meio da sua
Janela antiga de tramela branca
Sono de camisola manchado de rua
Então madrugada, estaria nua?
No dia seguinte me veio de calça
Foi meio sem graça, simples criatura
Entornamos nem duas, devido à desgraça
De cair no meio do teu uma traça
E o copo todinho regar uma arruda.
No abraço de ida, beijo derradeiro
Nem choro nem dor, ou flor de desespero
O cheiro que a pele come e se habitua
Só deixa bagaço,
Cioso cansaço de Lua e de rua.

sábado, 14 de agosto de 2010

Ventania

No perfeito cenário de meia-noite, passada numa sexta-feira 13 de agosto.

Toda Santa Teresa viu. Toda a Coroa, Falet,também o Morro dos Prazeres. Todo mundo viu, e ai de quem estava na rua, ai deste, como viu...
Primeiro um ar quente inundou os largos, cheios de pessoas com suas cervejinhas, celebrando aquele dia quente de sol, de céu azul, dia perfeito de sol se pôr vermelho atrás do morro visto do terraço, de lua crescente que veio sorrindo. E foi aí, depois da lua sorrir que um estranho ar quente de mofo e cinza,um incômodo ar quente de pó veio. Seguiram-no fracos pingos de chuva, que em vão tentaram dizer a que vinham, pingaram em aviso: aí vem coisa, ou de tempestade ou de vento, de vingança ou de varrida, de limpeza geral, de levantar defunto.
Eu comigo inundada também de mormaço, de mofo e cinza, de escuro. De poeira: Haja poeira para tanta estrada esburacada neste mundo velho sem porteira.
No breu ouve-se um grito aos quatro cantos, um grito de guerra. Mas ouve-se com a nuca, com o frio na espinha, ouve-se de arrepio, de coisa estranha. As folhas se agitam nas àrvores magrelas da janela, um redemoinho se forma num canto de paralelepípedo, e por entre os vagões do bonde: Menino, isso deve ser coisa de Pererê, só pode. É Saci arretado isso, na minha terra cansei de ver.
Mas o grito ainda arrepia a nuca. É de Saci, pode até ser. Mas quem manda neste vento é Oyá Iansã, é a guerreira quem se manifesta. E quando ela se zanga, painho, sai de baixo. Sai da frente que vem vendaval.
Num rebuliço, as ruas começam a perder fregueses corridos nos carros, bondes e táxis. Olha que aí vem coisa. Um bêbado acostumado com desgraça gargalha descendo a ladeira: eu vou voar! Eu vou voar!
Em mim o vento causa medo e excitação. Um certo tipo de respeito assustado, e de deleite ao mesmo tempo. Vento no cabelo, vento no suor, vento na janela, sempre amei vento. Porque tenho para mim que o vento, quando é destes de levantar tudo, de sacudir, leva e traz consigo coisas do espírito da gente. Traz até mesmo a loucura, traz a mudaça. Os ventos da mudança, mais uma vez recorrem em minha história.
Pelo vitral da porta antiga de madeira, observo a voar uma caixa d'àgua, pedaços de madeira, lixo, e muitas folhas secas. Elas voam e vêm até meu quarto, entram, tomam espaço, se pousam no chão. Ouço um estrondo de uma porta que se arrebenta com a força da assoprada. Nada se pode fazer contra a vontade de Oyá, a força dos ventos da mudança, a força dos ventos da luta, da guerra. Às vezes também o vento é de Xangô, segundo me disse um camarada uma vez no quintal de casa, não sei.
Quinze minutos depois, o vento cessa de sopetão.
Na rua, só o lixo, a poeira, tocos de madeira, objetos perdidos, alguns sobreviventes do ocorrido a sair dos esconderijos e a voltar a caminhar nas ruas bagunçadas, remexidas, reviradas.
No chão de meu quarto, folhas secas, lágrimas passadas, poeira dos tempos, saudades de quem já partiu, poemas, partituras, uma fita vermelha de cetim.
Mais uma vez, os ventos da mudança varrem de mim e das ruas, da nossa minoridade perante a natureza, da cabeça e do coração, a falsa impressão de controle perante a vida.
Que bom para quem tem alma de entender.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

180

Oito e cinco da manhã, segunda-feira. Embarco no 180 que vai para a Central do Brasil. Destino: Saúde, perto da Gamboa, para conhecer uma escola de percussão na qual pretendo ingressar. Não conheço o caminho, então, assunto com o povo espremido:

- Você é de Minas Gerais?
- Não senhor, sou da divisa, uma cidade pequena do interior de São Paulo que fica pertinho de Minas, coisa de quinze minutos...
- Ah, terra boa a de Minas Gerais! Você sabe, eu sou compositor, eu escrevi uma música sobre a terra de Minas Gerais, gosto muito de lá. Lugar rico de comida e de povo, de dinheiro e de saúde.
- Que maravilha, o senhor é compositor?
- Sou sim.
- Eu sou cantora, e tambem arrisco compor uma coisa ou outra.
- Ah, que bom, então você deve conhecer esta música que fiz, é assim : "Ó Minas Gerais...ó Minas Gerais...quem te conhece não esquece jamais...ó Minhas Gerais..."
- Caramba, foi o senhor que compôs esta música, que fantástico. Ela é muito famosa mesmo.

(Penso comigo: O Rio de Janeiro tem destas coisas, é fácil encontrar compositores e artistas, em todo canto tem um. Caramba, eu adoro esta canção de Minas, é clássica.)

- No mais eu compus muitas outras canções de sucesso, mas vou ser sincero, menina,o difícil é ver o dinheiro destas músicas voltar pro bolso da gente.Eu compus uma outra também que se chama "São Paulo Quatrocentão", muito famosa.
- Pois é, imagino como deve ser, senhor. Esta de São Paulo eu não conheço.
- Hoje em dia eu trabalho com jornalismo, escrevo para O Globo e mando algumas coisas para o New York Times, como noticias de interesse internacional, daqui do Brasil.
- Ah, que bom. Pelo menos o senhor tem a chance de trabalhar com outras coisas para se manter, já que as composições não garantem o cascalho...
- Pois é. Por exemplo, eu sou o compositor de uma música que todos os Brasileiros conhecem, o Hino Nacional...

(Penso: an?)

- ...Mas cadê a grana, me diz, até hoje nunca vi. Quando eu escrevi uma das publicações mais famosas do mundo, a BÍBLIA, ainda cheguei a receber uns trocados, mas depois que veio este monte de igreja evangélica, e tal, é um tal de xerocar a Bíblia, eu estou perdendo rios de dinheiro com direitos autorais.

(Penso: Ai meu Deus, o cara é doido e eu aqui acreditando na conversa dele de compositor...mas tão bem vestido assim e falando de maneira tão culta, quem iria desconfiar...Dou risada sozinha. Insisto, este Rio de Janeiro está cheio de artistas, este cara é doido de pedra, mas é um talento!Tenho cãimbra de tanto rir sozinha.)

- Minha filha, vou fazer o seguinte. Aqui está meu celular, você me liga porque eu tenho um sucesso para você gravar. está decidido, eu tinha pensando em chamar estas moças da Lapa, Teresa Cristina, Marisa Monte, mas eu já to de saco cheio delas, porque ficam me pedindo sambas sem parar. Então fica assim, eu estou com um sucesso na manga, quem grava é você. Depois eu mando meu pessoal distribuir aí nas rádios, Rádio Nacional, estas coisas de protocolo, e você vai emplacar, vai ver só. Que maravilha, vamos ganhar uma nota firme!
- Nossa, que bom... com certeza vou gravar com o maior apreço, senhor. Será uma honra para mim gravar uma canção de um compositor tão conhecido.

(Penso: Ai, como eu queria que fosse verdade...sonho meu, ai ai sonho meu...Que inocência a minha. Começo a ficar impaciente com tanta ladainha.)

- Que nada menina, se a gente não ajudar esta juventude de hoje, ela não vai para frente, eu fico feliz em ser útil. É verdade que estou bastante ocupado atualmente com a minha candidatura a presidente, estou concorrendo com o Serra, mas já estou em segundo lugar nas pesquisas. Você vai ver. Vou ver com meus acessores, quem sabe fazemos o jingle da campanha juntos também.
- Ahan. Claro...
- Bem, tenho que descer, cheguei no meu ponto (Av. Rio Branco). Me liga hein, vou esperar.
- Com certeza ligo sim. Até mais.

(Penso: caramba, que papo surreal. Me sento ao lado de uma senhorinha com cara de simpática)

- Eu sempre evito conversar com ele, ele é bonzinho, mas fala demais...
- Pois é senhora, ele veio com uns papos meio esquisitos...Mas enfim, a senhora sabe onde fica a Rua Camerino, na Saúde?
- Sei sim, estamos quase lá, uns três ponto adiante.
- Ah, que bom...
- Por exemplo, eu acho que a pessoa pode ter coisas incríveis, mas não deve ficar falando por aí, sabe. Menina, você sabe mexer com computador?
- Sei.
- Pois é, eu não sei, mas estou muito preocupada, porque sabe, eu faço previsões.

(Penso: ai meu Deus, será possível que lá vem mais uma?)

- Eu previ que o Brasil ia perder no segundo tempo esta Copa do Mundo, e eu precisava mandar um e-mail para os jornalistas importantes, e explicar que o que os meninos precisam é de uma injeção de energia no segundo tempo...Tem muita macumba, muita coisa ruim, estes meninos estão ficando sem energia no segundo tempo. E aí, em 2014, a Copa vai ser aqui, imagina este Rio de Janeiro se os meninos perderem?
- A senhora quer que eu mande este e-mail para os jornalistas avisando que a senhora fez esta previsão?
- É, eu acho que é uma boa...Porque eu previ outras coisas, como o ataque nas torres gêmeas, o sequestro da filha do Silvio Santos, um monte de coisa eu previ.Eu tenho sonhos de vidência, mas eu tenho um problema...Só consigo entender os sonhos depois que as coisas já aconteceram, sabe. Quando eu previ a tragédia nas torres gêmeas, eu sonhei que estava toda envolta de fumaça, por todos os lados. Dois dias depois, as torres gêmeas foram atacadas. Daí entendí, era uma previsão. Quer dizer, isso tudo poderia ter sido evitado se eu sobesse mexer na internet. Era só passar um e-mail para o BiuCrinto. E a Tsunami, então? Eu previ também, menina... E agora, eu to prevendo que vai ser isso na Copa de 2014. Se os meninos não tomar conta, eles dançam no segundo tempo das quartas de final.
- Entendi...Eu mando um e-mail para a CBF sim.

(Penso: para o mundo que eu quero descer.Já entendi tudo, sou eu a doida nesta história, não é possível que todos etejam abilolados e só eu seja a correta. Meu Deus, eu enlouqueci e não percebi, eu estou completamtente doida... Porque se estas pessoas estão me falando estas coisas, alguém de nós deve estar fora da casinha. O primeiro eu até desconfiei que o doido era ele, mas agora são dois. Dois contra um. É isso,fui eu quem desmiolou!!!)

- Tá bom filha, muito obrigada. Olha aí, Rua Camerino, seu ponto chegou.

Minhas preces foram atendidas. Eu pedi para o mundo parar e eu descer, e aconteceu. Eu desci...Meu ponto chegou, estou na Rua Camerino, e ainda mais: o ponto é exatamente em frente ao número 60, o endereço que eu estava procurando...tem um homem deitado no chão bem em frente ao degrau do busão, só pode ser um sinal...sim, é um sinal com certeza, pois uma vez isso já aconteceu comigo. Significa que se eu pular ele e chegar do outro lado vai dar certo o que eu planejava. Olha, é mesmo aqui a esola de música. Vejo o letreiro: Batucadas Brasileiras. Brasil, tudo a ver com o que a senhora acabou de me falar no ônibus...e o senhor, do Hino Nacional...hino, música, brasil, batucadas...toc toc, tem alguém aí? Meu cérebro responde: não, você se abilolou, pirou, ficou doida, percebeu não? Se liga, olha os sinais, o Hino, a Copa, a Bíblia!!A Bìblia!!É Jesus quem vos diz à cabeça, você pirou na esquina da Rua Venezuela com a Sacadura Cabral!Você endoideceu em pleno
180-Cosme Velho/Central, numa segunda-feira de manhã.

É, o Rio de Janeiro tem destas coisas...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Triste Fado

Enamorei-me por um triste fado,
Sem jamais ter imaginado que podia.
Por acaso, nos lábios de uma cantora,
Este fado veio, a revelia,
Em notas tristes, sua guitarra que gemia
Fazia em prantos desabarem meus olhos colonizados
Fazia encanto aos meus ouvidos acostumados
A chorar os sambas, os choros e as quadrilhas
Ó triste fado, o que me fizeste?
Me deixaste louca, amarrada aos teus pés
Harmonias de sangue que outrora
Fizeram a glória,nos acabaram em contos de Réis
Meus conterrâneos brasileiros não me culpem
No samba hei de viver e hei de deixar a vida
Mas este fado, fora de conjuntura
Me deixou incômoda, apaixonada, aturdida
Deixe-me pandeiro, cantar apenas um fado
Deixe-me tamborim, escapar da ritmia
Deixe-me cavaquinho, apenas desta vez primeira
Ser apenas do fado, apenas por este dia
Seja por minha bisavó, Ferreira
Ou por meu tataravô, de Souza,
Ou pelo lado dos Camargo
Que amargo, saber-me moura!
Ai que lindo, chorar de amor,
Por um homem belo,atirar-me a deriva!
Tantos foram os grandes navegadores
Quanto é agora esta minha dor lasciva
Que corre ao ventre emocionado
Ó triste fado, ai quem me dera
Fazer Maria, deste teu legado
O triste legado emocionado
Que um dia Portugal nos dera!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Carta a Vinícius de Moraes.

Rio de Janeiro, 25 de maio de 2010.

Querido Vinícius,

Você não me conhece, e pode até achar estranho receber uma carta a estas alturas, numa terça-feira em que no céu você deve estar muito ocupado com seus parceiros Tom, Baden e tantos outros, fazendo mil cantigas para os anjos boêmios.
Eu daqui da vida, busco seguir religiosamente seus passos,andando sempre em boa companhia, ouvindo boa música, tentando compor e cantando sempre, sempe.
Mas queria te perguntar uma coisa, poetinha (se é que assim me dá a liberdade para chamá-lo), como era em seu tempo? Era tão gostoso assim mesmo, as pessoas em volta de uma mesa, cantando sambas de amor, era assim que se fazia de verdade, ou será que inventaram tudo isso só para deixar um coração romântico como o meu crente? Eu queria tanto poetinha,tenho tanta saudade deste tempo em que eu ainda nem vivia, mas já devia saber que nasceria com esta sina. Vontade de ver os camaradas bebendo seus uísques, fumando seus cigarros e criando as mais belas canções numa terça-feira a noite como esta, quando se tem inspiração de sobra...Mas daqui, nenhum amigo por perto. E sempre penso:
"Se eu fosse o Vinícius, o que faria agora? Faria um telefonema e as pessoas logo viriam, felizes com seus papéizinhos e canetas, violões, flautas, bandolins, e se sentariam em volta de uma grande mesa com boa comida, para cantar a madrugada adentro?"
Ah!Como eu seria ainda mais feliz!
Mas hoje vejo algumas pessoas, que não sei, parece que nunca te ouviram, parece que não têm medo de não receberem perdão por não se doarem, por não abrirem o coração, por fazerem uma passagem abobada pela terra...Parecem que não falam com Deus ao ouvirem música, ao contemplarem o povo na rua, ao verem uma obra de arte, ou ao lerem um belo soneto de vossa autoria.
Se pudesse querido Vinícius, teria eu também vivido na época em que você viveu. Mas daí eu teria problemas com esta história de processo reencarnatório, porque acho que iria querer voltar mais e mais vezes para a Terra, em menos tempo do que deveria. Ou não, e então faria como você e ficaria com meus maiores parceiros aí no céu, que seriam recebidos com grande festa, e juntos permaneceríamos pelos tempos cantando e recitando poemas divinos o dia inteiro de chinelas para tantos anjos boêmios...
Claro que a resposta desta carta não virá tão breve, não no tempo dos humanos, nem no tempo do correio. Mas desejo sinceramente que venha em inspiração a mim, de sua parte.
No mais, espero que se divirta por aí com as belas almas, pois ouvi dizer que no céu as pessoas escolhem sua aparência eteral, e tenho certeza que tantas garotas devem estar por aí te paquerando e causando arrepios e rimas, quantas haviam por aqui.
Que teu espírito perdure sempre como parte integrante de nossos espíritos, e que quem sabe um dia, possamos nos encontrar. Mas espero que demore muito, com todo o respeito, se é que você me entende. Tenho pavor da morte. Só não é maior, porque sei que encontrarei uma grande festa de samba, quando chegar do lado daí, e logo esquecerei de tudo o mais, e viverei feliz por toda a eternidade, se Deus assim quiser...

Vinícius velho, Saravá.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Boca de Siri

Ai, me calar...
Melhor solução para mim
Porque se eu retrucasse, bruaca
Minha matraca não teria fim!

Só não te chamei de costa-oca,
mal-amada dos infernos e o raio que a parta
Porque desde pequenininha
Aprendi com minha mãezinha: "No grito nada se consegue!"
Por isso hoje, nem te digo nada!

Nem que vá arranjar alguém que lhe ame, ingrata
Nada de pata na sua lata, nada de pontapé
Você já é feia e mal lavada
E além de tudo, é mulher.

E com mulher que é coisa da minha laia,
Que eu sei que tem veneno
Eu não me meto, sua lacraia!
Eu prefiro congelar no sereno!

Te peço assim com jeito, então enxerga:
Sai de mim coisa ruim, me erra!
Nesta terra eu inda sou forasteira, eu sei...
Mas não te meta, que se o bicho pega
A raiva me cega, esqueço da lei.

E nem adianta me botar ziquizira,
Perseguindo meus passos pela ladeira,
Que nem com reza brava me pega na corrida...
Posso ser boa, mas não estou de bobeira!


(E para maiores efeitos, como toda mulher,
também sei ser feiticeira.)

sábado, 13 de março de 2010

Baía sem H

Guanabara, quantos poemas já ganhastes eu nem sei.
Mas hoje, paisagem, te conheço finalmente e digo
Mereces tantos poemas, quantos poetas há na face
Desta terra de cão, deste chão onde jazem imundos estes mesmos poetas.
Guanabara, no tempo de Kehinde ainda eras
Mas hoje já te fizeram tantas estradas
Ruelas,
Muralhas,
Pobres casas e barracões, imensos prédios cheios de nada.
Quantas lágrimas senhora Iemanjá chorou por ti
Mas quantas vezes deve ainda se mirar em teus espelhos de água salgada...
Sambo em teu louvor, aqui do alto do Outeiro
Por sua Glória observada de longe,
E receio, pintura, que não faça poema ou verso,
Mas faça questão de tê-la, a preço de ouro
Colocada à janela do quarto de dormir.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Aconteceu

Então me deixei levar num sono e o sonho veio
Todo cor-de-rosa, como de costume, cheio de fantasia.

Daí me propus à realidade, e a realidade veio
Nua e crua, como de costume, que a qualquer sonho esvazia.

Mas então me apeguei a fé, pedi a Deus, e Ele também veio
Com sua justiça em tempo, como de costume, aplacando a agonia.

Assim peguei o sonho, a realidade e a fé
Fazendo de tudo o meu costume, cotidiano:

Trabalhar para comer,
Comer para viver,
Viver para sonhar,
Sonhar para ter fé,
Ter fé para acreditar,
Acreditar para realizar.

"Aconteceu... eu não esperava mas aconteceu..."
Cartola mais uma vez tinha razão.