quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Chororô

Chorei de inchar os olhos,
De secar garganta, de jorrar o sangue
Chorei de lavar a alma,
De ter dó da gente, de rolar na lama
Chorei porque foi pecado,
E da maldade que fez o amor
Chorei choro de tristeza
E de saudade do que passou
Chorei por não haver jeito,
Só ver defeito em tudo o que fiz
Chorei, pois chora quem ama
Sem ser capaz de viver feliz
Chorei de mãos e pés atados
Peito amarrado na dor sem fim
Chorei de envelhecer a alma
Que um dia foi jovem dentro em mim
Chorei e foi tão grande meu pranto
Que nem me lembro por que começou
Mas a tristeza foi tomando conta
E quando eu vi, ela me derrubou
Chorei um choro de criança
E cada lágrima tinha razão
Ou se não tinha, virava uma lança
Que mais feria o meu coração
Eu chorei, chorei, eu confesso
E não queria mais chorar assim
Pois não sei se quando choro, despeço
Ou planto mais dor por dentro de mim
Se ao menos meu pranto regasse
Em meu peito um vasinho de flor
Mais belo seria o meu choro

(Seria um chorinho de amor,
Seria um choro perfumado
Um choro louvando o Senhor
E não este choro salgado
Este mar que meu pranto virou)

Mas foi só choro de tristeza
E toda a tristeza tem que se acabar
Que é de toda gente a natureza
Nunca querer sofrer ou se entregar
Em meus olhos inchados só resta
Deste tal chororô um ardor
E uma inspiração que atesta:
Sou poetisa das dores de amor
Mas faço poema se for de alegria,
Bem como por ela sei chorar também
Quem sabe chorar seja a fantasia
Da melancolia que me cai tão bem
Chorando eu me torno mais gente de carne
O corpo amolece, o espírito cresce
E toda armadura de mim se descola
Eu volto pra Deus e o pranto é prece
Quem nunca chorou não entende o que digo
Pois é meu amigo, chorei e foi isso
Eu não sei falar, é por isso que escrevo
Eu só sei chorar pelo tanto que vivo.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Terceiro Delírio - Os Tenores


Caminhava por um campo verde, mas não era grama. Tive a sensação de estar em Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul, embora o clima não sugerisse o mesmo ponto geográfico. Pegava um pedaço de papelão como fazia nas brincadeiras de minha infância, e descia barranco abaixo de modo suave, como quem desce um tobogã, sem ferir-me ou levar susto. O rolimã improvisado estacionava a beira de uma água doce. Do meu lado esquerdo, vinha um canto suave em voz masculina. Tenores.
Carolina, você não entende nada de música. Mas eram tenores, estava certa, pela sensação que causavam nas papilas gustativas.
Mirei-me no pequeno riacho, muito limpo. Parecia água morna, pelo azul que tinha - um azul meio verde-água - pois no espelho que formava eu via refletido todo o verde claro das costas do cânion. Quando ia despir-me ao som daquela melodia natural, daquela melodia que parecia brotada do fundo das pedras e lavar-me no riacho, eis que a água se move. Olhei para os lados contrariada, estava sozinha ainda que observadora de mim mesma, eu e meu duplo, como veriam os Jurunas.
A água começou então a borbulhar. Isto é fenômeno comum nos cânions, Carolina. Mas deste borbulho agora é que brotava a melodia, o doce canto dos tenores. Era um bailado de bolhas, cada vez mais intenso e flutuante, algumas subiam por metros e estouravam em notas que se juntavam no ar em contacantos. E dançavam, e dançavam. Minha cabeça girava e o corpo já não estava bem ali. Não sabia se também eu voava, ou se era o corpo todo feito de música. Fui sendo levada sem perceber para cada vez mais perto da água. Carolina, você não sabe nadar. Mas era como se soubesse nadar, ou se dançar bastasse para flutuar e imergir sem perigo. Afundei, mas ainda ouvia música. Abri os olhos muito depois, já debaixo d’água e lá estavam os tenores, todos eles, com seus olhos de membranas, dentes afiados, e rabos de peixe.
Havia caído no canto dos sereios. Quando o ar me faltou, desfaleci no colo do mais moreno deles e veio aquele clarão.