quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Apelo de amor

Flor no cabelo,
Tanto vestido,
Pra quê este zelo?
Não tem sentido,
Eu não sou de gelo,
Quero o teu afeto.
Eu não faço apelo,
Mas escrevo um verso.

Perfume alfazema,
Batom de carmim,
Caras e bocas
Pra te ter pra mim
Flor no cabelo,
Vestido novo,
Mais uma dama
No meio do povo.

Se hoje te beijo,
Amanhã te bato,
Eu não valho nada
Não chego ao teu sapato
Mas nêgo bonito,
Eu te quero, eu te peço
Me rasgue o vestido,
Tire a flor do cabelo,
Tudo menos nosso amor
Ser traduzido em apelo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mesa de Bar

No bar onde me encontro, espero um grupo de chorinho que se ajeita para começar a tocar. Chega um homem de chapéu panamá, carrega um lindo jasmim nas mãos. Senta-se, pede um copo d'àgua, é certo que espera um amor.E assim me encontro também, sentada sozinha na mesa de bar, assim como este homem de flor em punho, buscando ao ouvir um chorinho bem-tocado afinar os meus ouvidos e a alma... Prepará-la, acariciá-la, como quem espera fazer com o amor, como aquele homem ali sentado de cartola, esperando o grande amor chegar em tom maior, arrebatando a então finda solidão.
Passou ele agora por mim e tímido cumprimentou conhecidos num sobressalto.

Descobriram seu segredo, ele espera de flor em punho um amor.

Amor perfumado e branco, forte e raro como um Jasmim do Cabo, que em Novembro alastra de paixão as ruas fétidas, que engrandece o mundo... e assim sou eu te esperando - música - assim sou eu ao ouvir Remelexo, de Jacob do Bandolim, assim sou eu também de flor em punho.
Contudo, assim que ele pediu uma cachaça, a mulher chegou de vermelho. O acha demasiado romântico, não sei se dura. Nem cheirou a flor, mal a olhou, duvido que se bastem. Chega ele para uma cadeira mais próxima, menos impessoal, como se a quisesse para sempre, como se enfim fizesse o pedido, mas não. Não, porque ela é fria, sorri demasiado, se apóia na mão esquerda sobre os cotovelos na mesa cansados, se fatiga do papo, dispersa. Nem tocou a flor que aguarda num copo d'àgua.
Penso: será que o homem de cartola e flor em punho se redime, será que é perdão o que pede? Será que chora ao choro de Jacob o arrependimento de erros idos?
Ela quer mudar de mesa, sentar lá fora onde se encontra a maioria das pessoas do bar. Tomar a fresca. Para ela que danem-se os músicos, dane-se a Santa Morena de Jacob, que reste a flor num copo americano abandonada pela esperada loira de cabelos tingidos.
De que lhe valem flores e cartolas, de que vale o choro chorado em harmonia pelo mundo todo, de que lhe valem uma flauta, pandeiro, violão, cavaco, bandolim e um sonoroso saxofone em perfeita congruência, de que valem a cachaça e o calor, que lhe importa o amor de outrem?
De que vale o meu amor, se é segredo, se é lamentado num samba-choro de Nelson Cavaquinho ou de Cartola?

Para quem vive samba e poesia, de que vale a vida senão um jasmim, uma cerveja gelada e uma mesa de bar, numa noite de verão brasileira?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sabiá

Então, diz-que assim:


Perto d'uma bica d'água me encantei cum Sabiá
Sem ele perceber nem nada, fiquei lhe ouvindo a piá
Piava e piava num pio pianinho, mas que era tão doce de se escuitá
Que eu mais ouvia e mais arrepio, caí num chôro de bezerro a desmamá
Eu fiquei ali parada, me matutando se o tar animá
Tinha nascido de um pio de Deus, ou se piá já sabia o Sabiá
Ou isso ou era o baruio do rio que me botava já a aluciná
E aquele Sabiá tinha nascido é dum pinto, como gerarmente se dá.
Eu cheguei mais perto do bicho pra mó de mió repará
Mas ele que é bicho matêro, sorrateiro fez o pio cessá
Eu então chorei de sardade, e pedi pro tar do Sabiá:

"Não se incomode com bobage que eu num quero lhe assustá, eu só cheguei aqui mais junto pra mó de melhor o seu pio adimirá!"

O Sabiá partiu voado depois de um triste oiá
Nem quis saber do meu amor, nem da dor que eu começava a pená
Com sardade daquele pio, e daquele encanto que ele dá
Eu chorando me joguei no rio e comecei a implorá:

"Vorta com seu pio macio, retorna seu Sabiá!"

Mas nada de sentir arrepio, nada das oreia gostá.

(Nessa hora diz-que já era tarde, e que o sol já ia deitá)

Com os óio e os dedo inchado de tanto me lamuriá,
Eu saí de dentro do riacho, e a vista começou a branqueá
Dei uns dois passo pros lado, despois tornei a bambiá ...
E diz-que na Vila até hoje tem gente que lembra de jurá
Que eu me cheguei piando, fazendo que ia avoá,
Pulando de àrvore em àrvore, teve criança a assustá
De peito inchado imitando o canto daquele Sabiá
Tem gente que diz que é verdade, tem otras que vai duvidá
Eu num sei bem pois num alembro, como em estado para-normá
Mas foi ansim que me contaram, e é ansim que posso contá
Só sei que depois de um mês, quando a mente fui recobrá
Eu já andava cantando ansim, de vento em vento.
Sem jamais conseguir pará.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

De Mun-dança

Na dança do mundo, eu comecei criança.
E como é pra sair da roça, tem que ser cheia de esperança
Pequenininha e caipira, eu fui fazendo roda
Tal qual lembrança de amor, que vai embora mas um dia volta.

Depois de ir ver o estrangeiro, eu quis conhecer o mar
E me mandei numa onda fria, numa ilha eu fui morar.
Lá eu ganhei muito amigo, muito estudo e instrução.
Assim saí de meu umbigo, e me enamorei pelo choro-canção.

Na ilha de meu destino, por um tempo descansei...
Aportei meu barco a vela, montei casa e me casei.
E nessa estada eu dancei maracatu, samba e capoeira.
E confesso que pensei por vezes em ali passar minha vida inteira.

Porém, tendo sina viajeira um belo dia foi que me cocei.
Eu resolvi mudar de ares, ver tudo aquilo que inda não sei
Fiz de mim mais uma retirante, e botei a viola no saco.
Dois pares de roupa velha, pouco dinheiro e meu mulato.

Nos encaminhamos pro norte, onde nos disseram haver
Uma cidade que de tão grande, não parava mais de chover
Era o choro de retirantes, que garoava mansinho no concreto.
E como lá havia de tudo, não havia errado e certo.

Na mesma onda em que vim, peguei carona e fui-me embora.
Deixei pra trás a lembrança, carreguei os amigos de outrora.
Continuei minha dança, passo a passo meu caminho.
Vou cantando a esperança de ainda ver o mundo todinho.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Cotidiano

Todo dia é sempre assim
No centro ou na favela
A policia no nosso pé
E a gente nos zóio dela

Todo dia é sempre assim
Em casa ou no botequim
Eu de umbigo na panela
E você c’os zóio em mim.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um imenso mar azul.

( Para uma moça desonhecida que hoje pela manhã me sensibilizou sem querer, com sua história ouvida de canto de orelha. Me perdoe a intromissão, e agradeço a inspiração)

Pensando bem, olhando desta janela no décimo andar, eu não o conheço, mas posso até compreender o que fez. Porque hoje, depois de ter sabido do que houve, foi que eu resolvi me debruçar aqui, para quem sabe ver com os olhos de meu pai qual foi o imenso oceano, esta beleza que encheu suas vistas com tanta promessa, com tanta solução e fez com que se atirasse ontem à noite da janela do sexto andar do prédio residencial. Na verdade nem sei se se atirou ou se apenas caminhou, dando serenamente um passo ao nada... Não sei, afinal não poderia. Até hoje, o presente momento, eu o desconhecia.

Contudo agora, cá me percebo olhando desta janela onde ironicamente vê-se a Beira-Mar, o centro da cidade. As pessoas lá embaixo pequenininhas, como formigas, enfim despidas pelos meus olhos de qualquer máscara, dos anseios pessoais e particulares, hierarquias. Apenas ali pequeninas, como são imersas em sua minoridade, em sua ignorância. Aqui de cima é quase como se eu pudesse me fazer de Deus, como uma grande juíza, é como me sinto aqui de cima e todos estão, sem saber, apenas à mercê de meus próprios julgamentos, em meu profundo egoísmo, em minha inveja e desgosto ao mesmo tempo por esse bando, essa gente toda que circula pelo centro: uns feios e ricos, outros lindos e pobres, uns vindos de outras tantas partes.

Uma ambulância ecoa sua sirene até aqui no alto e atravessa minha impressão. Será que chama ao próprio Deus e clama por esta minoridade, será que é a mim que clama? Será que era por mim também que clamava meu pai? Será que era a mim que via ao correr para um malfadado abraço com o infinito? Fazia sua a voz daquela penetrante sirene que insistia? Eu não sei. Eu só o conheci hoje.

Pensar que na sexta feira passada, mal o reparei na festa. Era meu aniversário e eu estava tão radiante, tão plena. Mal o cumprimentei, ou agradeci pelo dinheiro empenhado. E para ser muito sincera, mal senti tristeza ontem, quando soube do ocorrido. Nem tristeza nem vazio, nem susto nem coisa alguma. Mas agora aqui da janela, este dia tão lindo, eu sinto uma espécie de pena, sinto dó e compreendo. Sinto o mesmo pesar que ele deve ter sentido ao ter-se dado conta de que havia sido aparado pelos fios de telefone e que ao fim de tudo ainda sentia o corpo, a dor, o impulso involuntário de ter que abrir os olhos e ver-se ainda ali, sem o mar azul, sem paraíso, sem sua solução fácil. Que pesar deve ter sentido por tomar tão brava e covarde atitude e ser frustrado pela amargura de reconhecer-se ainda, insistentemente, vivo.

Olhando daqui, numa rasante, nada furtaria uma queda. É o décimo andar, quatro a mais do que o sexto. Nenhum fio, nenhum obstáculo, nenhum aparador. Mas que contrariedade do destino, esta vista da Beira-Mar.

Daqui não vejo qualquer imenso mar azul.


terça-feira, 28 de julho de 2009

Eritrécio João Bastista dos Santos

Sentia sim um enorme vazio, um frio seco e persistente, mas que sabia que teria de enfrentar. Momentos como estes são sempre assim. Há de se contrair os músculos, de se secar a boca, de se agüentar firme com olhos atentos, vencendo o sono e o cansaço, vencendo a descrença e a preguiça, vencendo o tempo que passa devagar, vencendo assim a si mesmo, a todo o seu corpo que diz insistentemente: - “cai, desiste, vai embora!”. Ainda assim contrariar a si mesmo, calcado numa razão qualquer, numa suposta certeza de qualquer coisa, mas sim uma certeza de que ainda é necessário estar vivo, atento, forte é necessário segurar firme as pernas que teimam em bambear.

Eu sabia que aquele homem não era um criminoso. Eu sabia, porque no exato instante olhei fundo em seus olhos, eu vi sua decência cambalear - mas se vi foi porque havia uma - eu vi o medo, eu vi seus filhos e acreditei que não havia telefone residencial ou referência que se pudesse dar. Eu vi, era metalúrgico, tinha um salário de merda, uma aposentadoria próxima de merda, e não havia nem jamais estado naquela situação tão tensa, tão complicada antes, para que pudesse ter tido mais calma. Era um cidadão qualquer, tinha sim tomado umas cervejas, talvez muitas, antes de bater seu carro financiado, sem intenção certamente. Mas aquilo não poderia ser argumento, motivo para tamanha desgraça, ser preso, ser humilhado, ser mais um preto jogado ao fundo de uma cela por nada? Afinal era fim de semana, sexta ou sábado, talvez domingo ou segunda-feira cedo e quem seria o bom cristão que não estaria ao menos um pouco embriagado, se não fosse da cerveja barata ou da aguardente de cana, estaria embriagado do Fantástico, daquele glutão idiota do Faustão, falando absurdos, cagando na cabeça do povo, isto também haveria de embriagar a qualquer um, que desconcertado poderia mesmo ter saído depois de uma reportagem esdrúxula daquelas e dar de cara num poste, num carro ou num caminhão, e ninguém viria fazer o bafômetro, ninguém viria e lhe questionaria sobre quantos comerciais estúpidos de carros importados que ele jamais compraria ou quantas propagandas de empréstimos milagrosos vira antes de sair de casa.

Foi por isso que cambaleou, mas teve firmeza de prosseguir. Continuou a fitar os olhos daquele policial, das moças, dos rapazes que se aproximavam para ajudar. Buscou no fundo de si uma voz que não havia, para responder à pergunta. Conseguiu dizer apenas que a viatura era para si, e que iriam lhe prender. Não deve Eritrécio ter sentido meus olhos cheios de água, ou meu coração que rezava pedindo justiça, pedindo socorro por aquele homem, sincero e justo, quase velho, honesto, negro e assustado. Apenas um cidadão que fez algo errado, sem querer. Um irmão.

Olhou mais uma vez os olhos do policial que insistia em manter-lhe ali em sua frente apenas por um sadismo característico de muitos homens e mulheres da lei. Eram cinco e meia da manhã. Minhas pernas também bambearam. A sorte, contudo, é algo que também se cultiva. Não tivesse sido tão firme e tenso, não tivesse tido olhos tão ousados e afirmado sua condição demasiado humana, não lhe teriam respeitado. Não tivesse aproveitado tanto aquela festa, aquela noite fora de casa, aquela prosa com os velhos comparsas de praça, aquelas mulheres, aquela aguardente, não teria tido bravura. Não tivesse se sentido tão grande naquela noite, tão negro, tão homem, tão pobre, não teria tido a certeza de que merecia ser assim tão livre como parecia. Ao sair da delegacia ainda cambaleava, mas tive a impressão de ver um sorriso florir do canto de sua boca, ao desejar à alguém que passou um bom dia – que já despontava às seis da manhã – e um “tudo de bom”.

Pegou seu carro batido e foi embora rasteiro, mas com a certeza de quem em seu coração carrega o certo. Foi verdadeiro. Foi humano. Foi um santo brasileiro.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Veja bem, Bahia

Veja bem, Bahia
Não é que eu te goste mais,
Nem que pense que és mais que tudo, mais Bahia, mais amor
Veja bem,
Não estou agindo em defesa,
Deste Céu azul-mar,
Desta realeza Nagô,
Desta Capoeira,
Deste cocorocô de galo no terreiro,
Mas veja bem Bahia
Eu não sabia deste mar,
Eu desconhecia este cheiro, essas ruas, esse lugar
E quando ví, Bahia, já era eu a caminhar feliz,
Já era eu lembrando de que era eu andando pelas ruas
Quando ví passar, Bahia, o tempo
Quando ví passar num vento
Toda a magia de meus ancestrais,
De Oyá mãe dos nove filhos,
De Nanã, Iemojá,
E eu me avoei naquele canto, Bahia
Eu me nagô-baianizei
E agora tudo o que há é saudade, Bahia
Na cabaça do berimbau que berra,
Tudo é vontade, Bahia, mas veja bem
Não desdizendo dos outros lugares,
Não tendo na boca o preconceito,
Eu só te amo mais que as outras, Bahia
É este o meu maior defeito
E se eu um dia te voltasse, menina
Se eu dançasse teu baticum
Eu ficaria pra sempre, Bahia
Pois igualzinho à Bahia
Existe lugar nenhum.

sábado, 30 de maio de 2009

Todas aquelas coisas, Mariana.


Mariana nua, de ventre de Nilo, sabes bem que é sua a dor e o destilo,

De carnes tão vermelhas-cruas,
De uma cachaça de milho,
De todo o torpor das ruas, e do choro de um filho.
Nua neste solo fértil, em época de vacas magras
Não te abomines o mundo, não te canses de afiar as garras...este é teu Eu mais profundo,

estas são minhas amarras. Nua, bela e morena, há de cuspir longe, há de mostrar as penas, há de pintar do mesmo

- vermelho carne-

tuas entranhas,
há de ser só você,
nua,
poema,
Mariana.

terça-feira, 26 de maio de 2009

(Pra você que às vezes teima em esquecer da razão de meu afeto...)

Não sei se te acordes, ou cordas, pudera!
Las calles que me ouviram, tu nunca conheceras.

Em todos os ouvidos, me olvidan, yo sei
Mistura de gringo com índio, es lo que me pareces usted.
Cruzado em teu peito, colar feito d’alma
Mistura mais que buena, tua energia e minha calma
Maracas la salsa, ganzá tamborim
Foi minha comadre, su madre, quem fez você só pra mim
Um cheiro de hombre, seus olhos de estrela
A voz de trovão, que sussurra à orelha
Me ensina, me acolhe, me deixa menina,
Foi o mundo, a vida ou a América Latina?
Quem te fez capaz de me ter caliente en sus brazos
Sem cerimônia, sem medo e sem embaraço
E me fez saber, mesmo que esperneasse
Que és só tu que hoy, contenta me haces.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Das dores de Dolores

Dolores,
Eu te chamava porque tinhas tantas
Dolores, nem uma semana tinhas e ainda assim já tão cheia
De uma inconformidade, uma veia de não querer
Dolores,
Eu te amei porque eras frágil,
Eu te quis cuidar as dores,
Eu te quis encher a pança,
Eu te quis ver caminhar...
E que paradoxal desejo, quando tu respiravas e eu não sabia
Se era porque ficavas,
Ou se era porque ias,
Dolores eu te imagino não tendo.
Nem remoendo, nem torcendo o pescoço,
Dolores, eu te daria um osso,
Eu te mudaria pra sempre o nome
E jamais contaria a ninguém das tuas
Dolores,
E quando perguntassem, poderias apenas dizer-lhes
Que te chamassem de Maria.
Maria dos Prazeres.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Um poema para Giuliana


Giuliana, eu sei!

Eu te prometi um poema.

Um poema belo e doce, um poema cheio de notas maiores, talvez em escala de Sol, um poema que contasse pro mundo o quanto você gosta de música, o quanto você quer e tenta aprender a tocar este violão.

Só que algo se sucedeu, cara mia.

Algo desandou neste entremeio, e sabe o que foi?
Foi que eu descobri Giuliana, algo de grande importância: descobri que mais do que você gosta da música, é a música quem gosta de você!
Afinal, se enfim você dominar todas as técnicas de violão, flauta, cântale e voz, que será de seus instrumentos que tanto te querem agarradinha à eles?
O que será de teus incansáveis caderninhos, de letras e cifras, que não se enfadonham em te acompanharem para lá e para cá?
Resolvido, minha amiga, não posso te fazer um poema bem-escrito sobre o seu amor pela música. Só posso dizer, poeticamente, que você é responsável por muito da música que há no mundo, por sua beleza, por sua alegria. É por te amar tanto que a música não te deixa, que ela te acompanha a cada passo, em cada canto, todos os dias de sua vida.
E quer saber mais?
Te acho uma guerreira, uma guerreira da música. E acho também que não tem importância se você demorar uns meses para aprender a tocar aquela canção que tanto quer, aquela da Marisa Monte, ou então aquela que diz que “toda criança que nasce parece a primeira estrela-a-a...”, porque assim a música vai ficando mais internalizada, e quando finalmente sai aquela notinha difícil é bem mais gostoso.
Giuliana, eu sei! Eu te prometi um poema. Mas promessa de malandro é dose, você sabe, umas doses a mais e a gente promete até a Lua, sabe como é... Sem mais milongas, te deixo com um beijo e uma oração:
“Vinde a mim, ó música, musa única...”

terça-feira, 21 de abril de 2009

O tempo e o artista ( como já disse o grande poeta).

A arte, ao artista expõe. É uma sátira ao íntimo, um delicado escracho.
Uma vez feito tinta, feito acorde ou palavra, tudo aquilo o que o artista é se esvai de si mesmo e preenche a grande tela: Te enganas em pensar que serás infinitamente criador da vida!
A arte não aumenta, meu amigo!Ela diminui, sua pelos poros a cada pincelada, a cada nota.
A arte é apenas o efeito de dissipar-se.
É por isso que os velhos vão perdendo o vigor de seus músculos, a cor dos cabelos e enfraquecem aos poucos a voz. Tu, que és artista. Reparas num velho poeta a construir um barco, vês os lábios murchos a sorrir. Tu, artista. Que te expões e te esvais, que murchas. Tu que és pescador, vês o velho e pensas:

Quanta beleza já emprestaste ao mundo!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O rio e a margem

À margem do que sinto por ti, está um pesar por coisas menores. Está à margem, pendurado em uma àrvore de finas raízes, o enxame do ciúme. Está também à margem a saudade, porque te tenho em minha canoa de um pau só. Está à margem o ouro, porque num rio caudaloso, tudo se carrega, porém nada se leva.
Está à margem tudo aquilo que não bóia, não flutua, tudo aquilo que não é natureza, que não é beleza, que não é amor.
Neste mesmo rio, ao qual as margens estáticas observam passar, moro eu, sereia d'àgua doce, moro eu, sua mulher. E este rio, nos conduz à vida, à queda e à cachoeira. Este rio é nossa vida.
À margem do que sinto por ti, está tudo aquilo que vivemos e aprendemos a deixar passar...e uma vez feitos àgua continuamos, leves, molhados, ferozes. Continuamos, carregando aquilo que se deve, e cuspindo à margem a tristeza, a nossa ida infância, e tudo aquilo que não é natureza, que não é beleza, que não é amor.
Uma vez feitos àgua, feitos rio, nos amamos eternamente. Pois o mesmo rio nunca passa duas vezes pela mesma margem, e a margem nunca mais será a mesma depois do passar do rio. Uma vez feitos àgua, feitos rio, jamais estaremos à margem de nós.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Rima Chula

Eu ando tendo um jeito pra homem que tem defeito
Eu ando tendo um tato pra homem compromissado

Os bem intencionados, nunca me pegam de jeito
Os mal intencionados, estes só me querem de quatro

Mais
vale
o
efeito... todos iguais, de fato.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Escrever, pura e simplesmente
É um ato de rebeldia
Pois quem escreve, é para que o dia
Clareie o escuro de seu penar...
Escrever é se comunicar
Pois nem os diários são escritos à toa
Quem textualiza, se doa
Para quem bem ou mal quiser interpretar
Escrever, portanto, é mais que raciocinar
É o inútil esforço de gritar
Um grito fraco e rouco
(Para quem nem ouve tampouco)
Quem escreve, nada pede
Senão um par de olhos desatentos
Que socorram o seu lamento
E levem na alma de outro pra morar
Escrever, pura e simplesmente
É um ato de rebeldia
Quem me dera, poder um dia
Ter tal fogo em meu peito dormente!

Sonho

Em sonho, vi-me numa senzala de tempos atrás. Exuberante, uma Rainha africana dançava a dor do cativeiro. Zarina: mulher de ouro. Uma Oxum que reluzia da pele negra um ofuscante brilho dourado.
Além da visão, contudo, havia um cheiro. Cheiro de banzo e sangue, um cheiro que pesava, de uma melancolia engolida ao seco da farinha de mandioca no ar. A poeira levantada pelo dançar dos pés daquela musa, tornava nebulosa a feição de seu rosto, mas eu sentia algo de íntimo, um carinho prazeroso, como se pudesse ter o privilégio de rever uma pessoa querida que não volta mais.
O batuque aumentava ao mesmo passo do rodar daquela saia. Os tambores, etéreos, animais sem vida porém dotados de voz, assemelhavam-se aos homens que os empunhavam e era mesmo como se somassem, através do som, o barulho de suas vozes ao silente corpo em movimento dos batuqueiros. O tambor e o homem se tornavam um só ente, como se emprestassem, um do outro, a voz e a vida que lhes tinham sido retiradas.
Via-me em sonho a mim mesma como expectadora. Como se fosse eu feita de sonho e meu sonho da mais real matéria. Como se fosse a cena, o terreiro e a Rainha africana que sonhassem comigo ali, e não o contrário.
Como ficara parada olhando, não pude ver o que havia por detrás das paredes muito marrons, talvez feitas de barro, nem quem foi que - chegando pelas minhas costas - me fez sentir um frio, como se fosse eu feita apenas de sonho, e me atravessasse. Acordei num susto, como se acordar para a matéria fosse necessário, ou jamais recobraria minha alma novamente neste corpo que escreve.
Sonhei que era feita de espírito, e olhava a partir de um todo, e não somente a partir dos olhos.
Dela, a Rainha negra, linda e de pés descalços, acordei apenas sentindo uma imensa saudade.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Tabuleiro de Iaiá

O que sou, não sei. O que sei fazer, quase nada.
Do que eu gosto: a madrugada. A doce madrugada das ruas.
Pra onde vou, estrada. Com quem eu vou: sozinha.
Pois sozinha aprendí que assim,
se nasce e morre.
Só o samba me socorre
Só o doce samba, meu amor.
Do samba eu não guardo rancor,
pois ele é tudo que tenho.
E se não tenho, finjo.
Minto ter, e sigo.
O samba, meu unico amigo
Não há de se importar...
Se eu ao seu lado ficar,
Ao meu ele ficará também
Pois samba é só quem me quer bem
É quem entende o meu penar
O samba acontece no ar
É à quem o meu pulmão recorre,
C'o samba sei que vou ficar
Pois assim é que se nasce e morre.