sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Conto de Natal

Nasceu e cresceu ali, e ali aprendeu a amar o rock`n`roll. Aos dezessete já era muito mal visto, por fazer parte da restrita legião de malucos, drogados, artistas e prostitutas da pequena cidade. Pelas infindáveis vezes em que tomou porres e passou mal, ficou conhecido como Vumito, o Edson. Daí Vu, Vumitão, tudo que era superlativo era com ele mesmo, e aos vinte e tantos foi grande sucesso de violão em punho cantando Guns, Led, Dylan, entre outros clássicos no Bangalô Bar, também conhecido como "curva de rio" na boca pequena : "onde tudo o que é tranqueira para", o conhecido pelos frequentadores como único reduto dos poucos artistas e porra-loucas da cidade.

(Bangalô, que saudade de jogar uma sinuca doida às quatro da matina...)

Fiquei sabendo do acidente do Vumito lá mesmo, no Bangalô. Capotou o carro na estrada, doidão, ninguém sabia se ia vingar. Daí história a beça, de que estava acompanhado de duas rameiras, que tinha um quilo de pó na caçamba, que tinha dormido ao volante, pouco importa. O foda era pensar na noite dos malucos da cidade pequena e já tão carente de música sem a arte apaixonada do Vumitão.
Um ano depois, estava sentada no balcão do Banga quando recebi do garçon uma dose de wisky, que alguém tinha me mandado. Eu com quinze anos era mesmo da pesada. Aceitei, e quando olhei para trás afim de ver quem havia me enviado o cortejo, vi uma cena estranha lá na àrea. Um deficiente físico, em cadeira de rodas, adentrando no recinto. Olhei uma segunda vez, assim que a galera saiu do entorno do cara, e qual não foi minha surpresa ao ver que era ele, o Vumito, de violão em punho como sempre, cabelo comprido e bota coturno, camiseta preta dos Stones. Foi levado até o palco, e deu seu show, como se nada tivesse acontecido, ou o abalado. O bar quase foi abaixo de emoção.
Isso foi por volta do ano 2000 se bem me lembro, quase onze anos já foram levados pela poeira do tempo, e eu nunca mais soube desta figura.
Ontem contudo, me surpreendi ao chegar em um boteco na mesma cidade,do outro lado da rua do extinto Bangalô Bar, com as mesmas pessoas que encontro todos os finais de ano invariavelmente, e ver o cara, the rock legend, o Vumitão tocando aqueles bons e velhos rock`n`rolls. Porém, o Bangalô já não havia mais, nem os antigos porras-loucas, nem sinuca, nem Jack Daniel`s, e eu quase chorei quando ele tocou "Sweet Child o`Mine" e ninguém soltou um "yeah, rock!!", como antigamente, nos tempos àureos... só eu, e ele soube o por quê.

(Uma vez, antes do acidente, ele me deu o microfone para cantar e saiu fora bem nesta música, se mandou na doideira, e eu segurei a onda da galera mandando ver na Janis)

Mandou no fim da noite umas dez saideiras, como bom artista que não estaria mais feliz em outro lugar do que ali. Ali ele existia, ali podia ser quem era, e assim persistia, fazendo sua arte para deficientes artísticos, quase como uma caridade, um verdadeiro Papai-Noel ou um Jesus com semblante e tudo, na cabeleira loira caída aos ombros, que sabendo da falta de arte daquela gente os presenteava sem nada pedir em troca, os brindava com sorrisos sem dente, com o velho violão apoiado no colo, e aquelas melodias tortas e lindas, aquela dádiva em pessoa.
Quando fui embora, me despedindo com um aceno de cabeça, ainda estava lá, mandando "Wish you were here" de saideira, emocionado, arrastando no andamento e caprichando nos agudos.
Neste ano, seja a canção de Vumito, sua persistência, seu exemplo de amor à arte, sua garra e especialmente sua habilidade de tocar o foda-se para quem não sabe do que ele esta falando, meu hino natalino.
Rock it, man.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Primeiro Amor

Minha irmã, vem cá, tenho um segredo e é só pra você que conto pois é minha irmã mais velha e eu nunca contei isso a ninguém.
Desde que você chegou eu queria te dizer algo, mas aos doze anos como é difícil falar de amor. Aos doze anos a gente sente amor por bicho, por mãe, por amiga e por irmã (por irmã sim, muito amor, ainda mais irmã mais velha que vive longe e quando volta vem cheia de histórias novas, vem aqui pro interior toda diferente e às vezes é só pelo cheiro de cigarro que te reconheço). Mas amor por um menino, irmã eu acho que estou gostando de um menino, e eu não sei bem o que isso quer dizer.
Ele é um ano mais velho, estuda na mesma escola que eu e eu sei que ele nem desconfia que eu goste dele, quer dizer, eu nem sei mesmo se eu gosto dele, e é isso que eu preciso que você me explique, irmã. Depois que entrei de férias e não o vi mais, achei que eu estava enganada e que não tinha nada a ver achar que gostava dele. Não fiquei pensando nele nem nada, apesar de eu achar que ele é o menino mais bonito que eu já conheci. Mas daí um dia eu estava com a mamãe no mercado, (a mamãe não pode saber, hein, promete que não conta). Eu estava com a mamãe no mercado e eu vi ele passando com a mãe dele. Mana, meu coração deu um pulo, não sei o que senti, mas fiquei toda mole e tremi, você acredita que eu tremi? Quase que a mamãe percebeu, não sei o que me deu irmã, mas eu acho que isso é gostar, assim que nem você gosta quando tem um namorado.
O pior é que não sei o que fazer, porque agora estou de férias e se eu tiver que esperar até o começo do ano para ver ele de novo acho que sou capaz de ter um piripaque. Ele tem um jeitinho todo loiro, sabe, de olho azul que mais parece um destes artistas que você conhece lá no Rio de Janeiro, e eu fico pensando a noite e fecho os olhos e vem logo ele na minha cabeça, conversando com os amigos na hora do recreio.
Irmã, me ajuda. Será que eu estou apaixonada?



Minha flor pequena, que eu embalei de colo
Que amo mais que tudo, meu céu
Já deixastes há tempo as fraldas, teu corpinho já toma formas
E sempre que chego de longe,
(Tentando disfarçar o cheio do cigarro para que não repares)
Me espanta o quanto estás alta e bela,
E me alegra ver o quanto conservas desde meu colo a meiguice.
Hoje vens a mim como quem espera um conselho, e eu
Tua irmã maior,
Me pasmo perante a clareza de teus sentimentos,
Perante tua simplicidade em descrevê-los,
Vens me dizer que tens um amor de menina-moça!
Logo eu, que ainda me vejo tão infantil no amor
Que apesar de colecionar histórias, no amor me sinto inda menina,
Tão aprendiz!
Agora queres um conselho de tua irmã maior, e o que ela tem a te dizer?
Acho sim, que estás apaixonada
Acho que sabes que eu também estou
Mas no mais, sobre o tema...
Só sei que mais tenho eu a aprender contigo.

Pois no dia em que você surgiu no mundo, fez a palavra amor ter sentido.

Agora partes para uma primeira jornada, onde ainda há de viver de tudo... vais chorar e sofrer um pouco, parte da vida e parte do amor, mas vais ter tantas alegrias quantas nem podes imaginar! E saibas sempre que eu estarei aqui, longe ou perto, estarei aqui. Para te dar colo e para também receber do teu colo, onde hoje também já caibo, meus Deus, como você cresceu.

Aonde é que eu estava quando você cresceu?