segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Responderá a Cidade

Em duas semanas mudei de vida. Num ímpeto de coragem, decidi resolver minhas piores e mais atravancantes questões práticas.
Tornei-me mais organizada, fiz três organogramas dividindo as atividades entre trabalho, estudo e tarefas domésticas e colei-os no espelho. Através de prática de misteriosa terapia respiratória indiana e meditação, consegui parar de atropelar as idéias com as falas e creio ter conseguido me fazer mais passível de compreensão. Encarei o que faltava para ficar em paz e dei um jeito de solucionar um a um os problemas, com disposição e fé:
Em poucos dias fui promovida, vendi o carro que há tempos estragava parado, manejei incluir pedaladas ao meu cotidiano para melhorar a forma e os pulmões. Diminuí a bebida alcoólica e o cigarro e – o mais importante – organizei meu escritório, o que não foi bolinho. Adquiri uma boa mesa branca com espaço para lápis, cadernos, livros e computador, cadeira confortabilíssima de couro opaco e a tão sonhada luz de centro. Finalmente fiz o que precisava para poder escrever em paz, além de – aleluia! - ter o espaço necessário para exercitar-me ao piano e ao violão (e assim sentir-me satisfeita e realizada com minhas obrigações). Tudo ficou perfeito, exatamente como eu queria.
Toda esta transformação, embora tenha me gerado algum cansaço e investimento de inicio valeu muitíssimo à pena, é verdade. Por conseqüência cuido mais e com mais praticidade dos afazeres domésticos, tenho me alimentado melhor e sinto-me disposta e pronta tanto para os percalços quanto para as deliciosas surpresas que a vida na cidade grande pode oferecer a cada novo dia.
O próximo passo é sentar-me calmamente para responder com fluida e liberta poesia escrita à pergunta que zune aos meus ouvidos de viajante com acampamento enfim assentado: o que foi mesmo que eu vim fazer nesta cidade?
Sentei-me em frente a máquina sem conseguir esboçar palavra. As preocupações sobre a mudança de documentos para o carro, o desenrolar da nova pesquisa e a dor nas costas resultante das pedaladas, não me deixavam pensar, ainda que na paz quase tumular de meu novo escritório.
Foi aí que entrou o Calvino.

“De uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.” *

E as respostas nem sempre são maravilhas. Não há dialeto perfeito a este ponto, nem tão bem amarrado (comprovou-me mais tarde o mesmo Calvino, despindo-se da língua italiana).
Percorri rapidamente a minha lista diária de afazeres. Estavam todos solucionados, nem três da tarde ainda.Vasculhando a memória então, me indaguei se havia algo de incomodo ou inquieto em minhas relações pessoais, algo que pudesse perguntar a mim mesma e ao Redentor para que a cidade me respondesse, e, para meu claro espanto, (afora algumas inevitáveis dores sedimentadas ao longo dos anos) encontrei tudo calmo e mui harmônico nas questões amorosas e familiares. Levei mais trinta minutos nesta penosa tarefa e acho que alcancei a inevitável e indissimulável conclusão:

Eu preciso urgentemente fazer perguntas melhores.


* Trecho do livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.

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