quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um imenso mar azul.

( Para uma moça desonhecida que hoje pela manhã me sensibilizou sem querer, com sua história ouvida de canto de orelha. Me perdoe a intromissão, e agradeço a inspiração)

Pensando bem, olhando desta janela no décimo andar, eu não o conheço, mas posso até compreender o que fez. Porque hoje, depois de ter sabido do que houve, foi que eu resolvi me debruçar aqui, para quem sabe ver com os olhos de meu pai qual foi o imenso oceano, esta beleza que encheu suas vistas com tanta promessa, com tanta solução e fez com que se atirasse ontem à noite da janela do sexto andar do prédio residencial. Na verdade nem sei se se atirou ou se apenas caminhou, dando serenamente um passo ao nada... Não sei, afinal não poderia. Até hoje, o presente momento, eu o desconhecia.

Contudo agora, cá me percebo olhando desta janela onde ironicamente vê-se a Beira-Mar, o centro da cidade. As pessoas lá embaixo pequenininhas, como formigas, enfim despidas pelos meus olhos de qualquer máscara, dos anseios pessoais e particulares, hierarquias. Apenas ali pequeninas, como são imersas em sua minoridade, em sua ignorância. Aqui de cima é quase como se eu pudesse me fazer de Deus, como uma grande juíza, é como me sinto aqui de cima e todos estão, sem saber, apenas à mercê de meus próprios julgamentos, em meu profundo egoísmo, em minha inveja e desgosto ao mesmo tempo por esse bando, essa gente toda que circula pelo centro: uns feios e ricos, outros lindos e pobres, uns vindos de outras tantas partes.

Uma ambulância ecoa sua sirene até aqui no alto e atravessa minha impressão. Será que chama ao próprio Deus e clama por esta minoridade, será que é a mim que clama? Será que era por mim também que clamava meu pai? Será que era a mim que via ao correr para um malfadado abraço com o infinito? Fazia sua a voz daquela penetrante sirene que insistia? Eu não sei. Eu só o conheci hoje.

Pensar que na sexta feira passada, mal o reparei na festa. Era meu aniversário e eu estava tão radiante, tão plena. Mal o cumprimentei, ou agradeci pelo dinheiro empenhado. E para ser muito sincera, mal senti tristeza ontem, quando soube do ocorrido. Nem tristeza nem vazio, nem susto nem coisa alguma. Mas agora aqui da janela, este dia tão lindo, eu sinto uma espécie de pena, sinto dó e compreendo. Sinto o mesmo pesar que ele deve ter sentido ao ter-se dado conta de que havia sido aparado pelos fios de telefone e que ao fim de tudo ainda sentia o corpo, a dor, o impulso involuntário de ter que abrir os olhos e ver-se ainda ali, sem o mar azul, sem paraíso, sem sua solução fácil. Que pesar deve ter sentido por tomar tão brava e covarde atitude e ser frustrado pela amargura de reconhecer-se ainda, insistentemente, vivo.

Olhando daqui, numa rasante, nada furtaria uma queda. É o décimo andar, quatro a mais do que o sexto. Nenhum fio, nenhum obstáculo, nenhum aparador. Mas que contrariedade do destino, esta vista da Beira-Mar.

Daqui não vejo qualquer imenso mar azul.


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