terça-feira, 8 de novembro de 2011

Pássaro Noturno

Cinco e vinte da manhã. Já devo estar acordada rolando na cama há uma hora. Me despertou primeiro a boca seca, demorei a levantar, bebi dois copos de àgua. Ao voltar à cama um canto rompe o silêncio profundo, é um pássaro da noite. E o seu canto persiste, alto e agudo como o apito de um guarda, como um eco de ribanceira. Há ainda um ruído que vem da cidade, do centro. Mais parece o mar, engraçado. Lembro-me dos bons tempos de beira-mar, que quando revolto bradava noite adentro e também costumava me levar o sono. É alta madrugada, dorme o Rio de Janeiro em seu falso sono de paz. É alta madrugada. Respiram melhor os bêbados, se aconchegam os casais nos lençóis, chora uma criança já desperta, esperam acordados nas camas os velhos, que se deitam cedo e acordam mais cedo ainda por não terem mais paciência nem para viver, nem para dormir. Tenho medo deste momento da velhice, o momento de perder o sono, como agora. Contudo hoje não sinto medo, porque estou acompanhada deste papel que deve rolar pra lá e pra cá por uns dias, me lembrando que enquanto persistir o desejo de escrever, eu também existirei. Este papel é a prova de minha existência na madrugada, de que ainda que durma, eu vivo, e que ainda que perca o sono, tenho algo para fazer e isso me socorre.
Agora já se anuncia com um fraco canto um pardal dos primeiros raios de sol. Logo serão muitos, cantam fraco porque sempre em bando, são os portadores da voz da manhã. Me arrepia pensar no dia que virá.
"Sol, eu que sou devota de ti e de tuas flores, te peço, não venha hoje. Deixe que a noite imensa me abrace por mais vinte e quatro horas, permita que eu apenas adormeça e sonhe com coisas boas..."
Pedidos inúteis. O dia já começa a raiar, os pardais somam-se aos primeiros riscos de luz no horizonte. Vem aquele frio da manhã e agora é tarde para voltar a dormir. De tão cedo, é tarde - oxímoro estúpido. Apitou uma fábrica, passaram um carro e uma moto. O guarda da rua apita também o início da partida, juíz do dia.
Será que já posso fumar um cigarro? Terei coragem de largar estas folhas e fazer um café com gosto de manhã? Despir-me da noite, da camisola, das ramelas, e encarar mais um dia que passará à tôa, uma quarta-feira que nem é começo nem fim, assim como a madrugada, que não é começo nem fim e por isso é apenas um não-lugar onde nada deve acontecer, mas acontece.
Acontece que eu perdi o sono porque me vêm imagens, lembranças e os ruídos são mais meus que da cidade ou dos pássaros. Dia! Pela última vez se arrependa de pintar o céu eu te peço, não venha! Guarda teu ímpeto de colorir e permite que fique a negra noite por mais vinte e quatro horas! Ou, se inevitavelmente tiver que amanhecer, que eu adormeça por mais alguns minutos, a tempo de tirar de mim a madrugada.

Um comentário:

  1. michel taskynovembro 09, 2011

    O sol de Santa Teresa é diferente hoje. Ele veio mais forte, mas viril, intenso e penetrante em todas as janelas, forçando as pálpebras a deixar os seus ráios entrarem desde cedo. também fui obrigado a madrugar. Muita luz, um cheiro de verão, e a sensação que o tempo é curto para cumprir as promessas de 2011. Beijo para você e sua linda prose.

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