quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Útil Paisagem

Embora do lado de dentro haja carvão, escombros e esperança, do lado de fora, com seios de Pão-de-Açúcar há uma mulher deitada. Paciente, espera uma criança. Tudo aquilo que o fogo lambeu será refeito: tábuas, máquinas,acúmulo de papéis. E ainda ali fora restará a mulher deitada, cabeça de lado, gerando sempre daquela barriga uma beleza de paisagem. Se por dentro da casa tudo ruiu em aparência, lá fora nada vai se modificar. A natureza é maior que os homens, ela paciente me diz que enquanto centenas de casas ruirem, vidas passarem pela Terra, famílias forem criadas e aniquiladas, pássaros forem extintos, mil Natais, mil festas de Ano-Novo, mil Páscoas e Carnavais passarem, ainda estará aqui. A natureza ensina que a paciência é irmã da beleza. Veja aquela mulher ali deitada sobre a Guanabara, o rosto de braço-de-terra, os seios de Pão-de-Açúcar. Gera a barriguda a beleza da paisagem deitada e descansada, assim como do outro lado também o faz o Gigante Adormecido. Tão calmos e pacientes em seu sono mineral. Tão belos. Viram há muito aparecerm os prédios, bondinhos, favelas. Foram violados por estradas, sofreram. A mulher hoje deita numa àgua suja e podre, que já foi a moradia mais azul de Iemanjá, mas ainda assim, assitem à tudo impassíveis e descansados, como quem em sua sabedoria apenas espera a hora de ver tudo mudar, numa onda imensa que vai vir e transformar as coisas repentina ou vagarosamente, onda do mar ou de consciência. Paciência, porque tudo isso passa num raio de segundo para a natureza. Nós passamos em menos de um raio de segundo. Paciência e sangue, e beleza, e alegria porque um dia se abre os olhos e se está do outro lado da natureza, olhando tudo de cima, ou do fundo das àguas da Guanabara. Paciência e força. E coragem. Para dormir o sono pesado e inabalável das pedras. Para acordar de dentro para fora para a beleza da útil paisagem.

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