"Iara? Do teu nome não me esqueço, que bom. Nome de minha irmã, mas ela é doente, coitada, tem problema de cabeça."
Foi assim que conheci dona Luzia que, entre outras coisas, é a responsável pelas comidas mais saborosas, bem temperadas e calóricas do mundo, as quais temos o prazer de almoçar três vezes por semana aqui no escritório. Vem toda segunda, quarta e sexta lá da Rocinha até o que considera o fino bairro de Santa Teresa. Esta esbórnia de bairro onde quando não se morre a bonde, se é assaltado à pé, e onde morador é tratado como adereço exótico da miséria para turista ver. Mas falava de dona Luzia. Um metro e cinquenta de puro dendê, as argolas douradas que quando ela está namoradeira recebem uns penduricalhos de coraçõezinhos de camelô. O cabelo grosso e de um preto impecável com corte à moda antiga, curto e com uma densa franja lhe dá um ar coquete. É bonita que só ela. Aos sessenta e quatro anos, vai sempre que pode ao forró, ama dançar e fica cantarolando as músicas que eu estudo enquanto escrevo orçamentos em alto e bom som, sempre me pedindo com timidez pra botar Elis Regina. Gosta dos boleros todos que eu amo, mas discordamos às vezes quando ela acha que a voz da filha da Elis Regina é igualzinha à dela. Hoje a dobrei dizendo que não me transmitia nem um terço da emoção que a Elis conseguia transmitir.
" Ah, Iara. Isso é mesmo, é verdade."
Me perguntou umas coisas pela manhã às quais eu respondi desatenta, como de costume. Lembro de ter ouvido algo sobre carne moída. Quando saiu do forno aquela beleza de iguaria, me olhou com um sorrisão, embora sempre tente esconder os dentes:
" Iara, está pronto, vamos comer?"
Quando reparei, o prato nadava no molho de tomate.
"Sou alérgica, dona Luzia...não posso com tomate."
"Eu sou uma grossa estúpida em soltar estas palavras assim", pensei dois segundos depois, mas elas já haviam fugido da minha boca. Então em troca, para piorar minha estupidez, vem a dona Luzia com aquele afago:
" O que? Eu te faço esta comida com tanto carinho e você me diz que não vai comer, Iara? Eu te perguntei de manhã se você queria outra coisa e você nem aí, ficou só ouvindo a Elis Regina. Agora vai comer sim, ora se vai. E vai comer porque não vai fazer mal. Feito com amor não faz mal!"
Sábias palavras, minha cara dona Luzia. Muito obrigada. O prato estava - como sempre - delicioso, e eu - como sempre - antes mesmo do nosso cafézinho com cigarro já estava perdidamente apaixonada pela senhora, gente tão gente mesmo, a vera.
O tal do prato me fez foi um bem danado. Não há ressaca que sobreviva à um pouco de gordura, dois litros de àgua boa e uma bela dose de amor sincero.
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