segunda-feira, 19 de setembro de 2011

No Quilo

Entrei no primeiro restaurante a quilo que me apareceu, a pressão já baixava tamanha era a fome ao meio-deia e meio. Ainda estranhei - confesso - o baixo valor da comida que estava bonita e apetitosa, exposta num salão antigo, com lustres garbosos e mesas com pés de madeira entalhada.Sentei-me sozinha em uma destas grandes mesas, e alguns minutos depois chega uma senhorinha aparentando talvez uns setenta anos ou mais, mas muito arrumada e perfumosa:

- Posso me sentar?
- Claro, fique a vontade.

Sentou-se e começou a comer sem dizer mais palavra. Eu, que vinha de uma caminhada desde a Rua do Ouvidor, (estávamos na Cinelândia) por diversos locais onde procurava emprego, meio animada, meio preocupada, meio curiosa, pensava: "Quem será esta senhora? Como é estranho isso de comer ao lado de um desconhecido, o sagrado momento da refeição sendo partilhado de maneira tão impessoal. As pessoas deveriam conversar mais, vai saber, ela pode ser a dona de uma livraria que justamente estava precisando de alguém como eu para trabalhar, e estamos aqui, caladas, quando poderiamos estar nos ajudando como seres humanos... A gente não se olha mais, o mundo está esquisito. Como vou puxar um papo com esta senhorinha?"
De repente, ela começa a soluçar sem parar.

- Menina, não sei o que me acontece (irc!) que agora dei para soluçar (irc!).
(Um assunto! - Penso eu alegre.)
E continua, o peito aos pulos:
- Minha filha é médica, se zanga sempre comigo porque sou muito gulosa e só gosto de comer besteiras.
Reparei no prato dela: Macarrão, feijão preto, salgadinho frito, bife.
- Será que a senhora não está com uma gastritezinha?
( Pede um copo de àgua ao garçom, que apalaca a crise soluçólica)
- Gastrite? Eu já operei duas vezes de úlcera, tenho uma gastrite que não vai embora nunca, é isso sim. Mas não consigo mudar de hábitos, fazer o quê, não é mesmo? Você também vai lá pra cima depois?
- Lá pra cima? Onde?
- Você não conhece aqui? Não lembro de ter te visto...
- Não senhora, eu estava caminhando a procura de um emprego e fiquei com a pressão baixa... daí parei no primeiro lugar que vi para comer um pouco, está quente hoje.
- Ah, sim! (rindo- se) Aqui é um bingo, minha filha. No andar de cima. Está vendo aqueles caras ali, e ali? São seguranças, umas graças os meninos.
- É mesmo?
- Sim. Olha, vou te falar uma coisa: Volta e meia fecham o bingo, mas ninguém pensa na quantidade de empregos que este lugar gera! Por exemplo, você uma moça bonita destas procurando onde trabalhar, poderia trabalhar aqui, se fosse seguro.
- Pois é senhora, poderia sim...
- Na última vez em que fecharam a casa, foi uma tristeza. Eu estava jogando e chegou a polícia, porque o "por fora" deles estava atrasado. Você sabe, isso aqui é uma lavagem de dinheiro... Mas você não tem idéia do quanto, menina! Mas enfim. Chegaram os caras, mandaram todo mundo embora. Sobramos só eu e mais um menino funcionário, escondidos. Quando eles sairam, este menino abriu o bocão e começou a chorar. Ele pagava a faculdade e sustentava os dois filhos com este emprego que tinha acabado de perder, coitado! Eu não aguentei, comecei a chorar também. Pelo garoto e pelo bingo, que é minha diversão.
- Que história a senhora está me contando!
- Pois é menina. Esta cidade tem cada coisa escondida, a gente nem imagina quando passa na calçada, não é mesmo?

Despedi-me daquela senhora, carregando esta história cômica dentre tantas que só o Rio de Janeiro parece oferecer aos montes, a quilo. Ao me levantar, desejamo-nos uníssono e ao mesmo tempo um "Boa Sorte!", que veio seguido de uma também partilhada e gostosa risada.
Parece que eu estava certa: Há sempre algo a se ganhar ao repararmos um pouco mais nas pessoas a nossa volta. Ainda que seja um perfeito desconhecido, num restaurante qualquer, numa segunda-feira estranha. Gente é bom demais e vale a pena. Eu acho.

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