REGRA N. 5
É imprescindível caminhar de manhã. Mas atenção: não
falo das caminhadas atléticas, tampouco de corridas suadas, de fones de ouvido
e concentração na respiração, com coração agitado e cabeça desanuviada (estas
são também muito boas e servem especialmente para momentos quando se tem
necessidade de alienar a consciência do mundo e espairecer, além do evidente
treino atlético). Falo de caminhadas engajadas em funções cotidianas, aquelas
que nos pedem atenção às personagens e nos requerem negociação e tato. Aquelas
que nos exigem algum interesse simples e besta, como levar um par de sapatos
velhos, porém estimados, para a feitura de uma meia-sola, ou a compra de uma
nova borracha para a panela de pressão.
Sim, melhor se for uma caminhada com intenção de
recuperar velhos objetos de reduzido valor material, mas com algum valor
afetivo. Objetos que falem do quanto tem caminhado ou de quanto feijão não vem
faltando em sua mesa.
É especialmente essencial após realizar a primeira das
tarefas quaisquer as quais se propôs, flanar alguns minutos interessado e atento aos sinais da rua. Não importa se você mora no bairro do Tola Cavalo ou em
Copacabana. A rua possui suas próprias vontades e lógica, a calçada é o espaço
do liminar, daquilo que por não ser nem deixar de ser é justamente livre o
suficiente para nos oferecer as mais diversas oportunidades de transformação do
dia, da semana, ou na melhor das hipóteses, de uma vida toda.
Flanando, possivelmente se encontrará um vendedor de
panos de prato, de ventiladores portáteis, ou – no caso do Tola Cavalo – um vendedor
de esterco ou uma cigana. A não ser que as entidades sejam pássaros, que te
interpelarão quer queira quer não com seu canto matutino, quase sempre serão
vendedores, terão coisas a oferecer.Vale sempre barganhar e levar. Aceitar o
destino que a rua sugere, aquele destino no qual quase se tropeça, é tão
desimportante quanto rico e isso só se pode compreender nestas caminhadas de
manhã. Por fim, encontrará possivelmente uma vendedora de livros usados, onde
estará te esperando imóvel, envelhecido e desprezado por outrem o novo livro
mais importante da sua vida. Dispense com ele as últimas moedas sem dó nem apego,
pois está mais que posto que “antes na livraria que na farmácia”. Este livro
talvez guarde a cura de teu espírito sofrido de poeta, que bem sabe que não
pode se deixar abater. Afinal, com quem a tristeza e a melancolia contarão
senão contigo? É parte primordial dos ossos de teu ofício embelezar as
desilusões, verter leite das pedras e colorir os sentimentos mais feios e
mesquinhos que a humanidade criou (além de usar de palavras que signifiquem
além de si mesmas - para retomar esta questão, releia as Regras 1 e 2).
Por fim, retorne calmamente para o lar sob o sol morno
e claro do Outono e sinta gratidão por estar vivo. Se este manual chegar a tuas
mãos em qualquer outra estação, sinta a mesma gratidão. Se o lê, continua vivo.
REGRA N. 6
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