sexta-feira, 15 de julho de 2011

Implacável

Guarda em teus olhos a calma que possuías antes de me conhecer, aquieta tua alma terna e carinhosa, aquieta teu espírito que amor nenhum vale uma dor tão profunda. Recupera naquela admiração por flores e melodias a beleza de um amor vivente, a beleza de saber que sempre há, invariável e insuperavelmente, um novo amor. Abraça teu instrumento onde antes havia meu corpo cantante, busca nele a guarida, compõe uma nova história
- pacifica por favor teu coração! - que todo fim é em tempo o começo também.
É certo, logo vem um novo amor.
E este novo amor, acredita, também virá belo e eterno em sua imperfeição, será tudo em seu dia longo, será devoção e alegria... Aos bocados vai encher a casa de perfume, vai te deixar acordado ainda que com sono, vai te preocupar profundamente com o tamanho dos cômodos e sobre a reforma quando os filhos vierem.
E depois de certo tempo, sendo este novo amor vivido, também ele passará, invariável e insuperavelmente, doerá no fundo da alma por uns dias ou anos e tornar-se-á cada vez menos profundo e mais desbotado, até que num porre ou numa benção seja exorcizado de sí, até que passe.

O tempo, este Deus de tudo sabedor.

Guarda em teus olhos a calma que possuías, pois eu não pretendia te privar de nada nem tampouco desejei o fim de tudo, eu até tentei muito. Mas o fim quando vem é inevitável, a morte é na vida a única certeza, assim como é certo o fim de um amor que ficou mal de saúde, que se perdeu num labirinto de dúvidas, que se enganou inocente. Um amor qualquer como o amor da gente, que foi tão bonito e tanto me fez feliz.
Aquieta tua alma, faz um chá. Olha pra televisão como se fizesse sentido, ri a tôa por alguma besteira, é como tenho feito. Fuma alguma coisa, cozinha algo demorado, ajuda o tempo a passar mais depressa, que o tempo não tarda ainda que amanhã demore, ainda que sofra mais um pouquinho e uma lágrima corra molhando teu belo rosto. Lava tua linda face com uma água boa de cachoeira que amor vem chegando, em algum lugar deste mundo afora ele vem caminhando em sua direção, espreita, faz tocaia silencioso e mais hora menos hora te toma de assalto.
E eu, com minhas palavras vazias espero com paciência este teu amor chegar e me doer, me açoitar sem pena e rir da minha cara como quem diz : foi você quem me deixou, foi você quem zombou deste amor e agora pena a tua dor sozinha ou com teus amigos do bar, com teus livros ensebados.

O tempo, este Deus implacável (ou como aprendi hoje comendo um dicionário - aquele que não perdoa).

Um comentário:

  1. Ai, nega...
    coisa mais linda esse texto. Mas dói. E olha que nem sou eu esse amor, mas dói de ler....estranho. Coisa mais linda, de verdade...
    Beijo grande de uma leitora assídua.

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