sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mesa de Bar

No bar onde me encontro, espero um grupo de chorinho que se ajeita para começar a tocar. Chega um homem de chapéu panamá, carrega um lindo jasmim nas mãos. Senta-se, pede um copo d'àgua, é certo que espera um amor.E assim me encontro também, sentada sozinha na mesa de bar, assim como este homem de flor em punho, buscando ao ouvir um chorinho bem-tocado afinar os meus ouvidos e a alma... Prepará-la, acariciá-la, como quem espera fazer com o amor, como aquele homem ali sentado de cartola, esperando o grande amor chegar em tom maior, arrebatando a então finda solidão.
Passou ele agora por mim e tímido cumprimentou conhecidos num sobressalto.

Descobriram seu segredo, ele espera de flor em punho um amor.

Amor perfumado e branco, forte e raro como um Jasmim do Cabo, que em Novembro alastra de paixão as ruas fétidas, que engrandece o mundo... e assim sou eu te esperando - música - assim sou eu ao ouvir Remelexo, de Jacob do Bandolim, assim sou eu também de flor em punho.
Contudo, assim que ele pediu uma cachaça, a mulher chegou de vermelho. O acha demasiado romântico, não sei se dura. Nem cheirou a flor, mal a olhou, duvido que se bastem. Chega ele para uma cadeira mais próxima, menos impessoal, como se a quisesse para sempre, como se enfim fizesse o pedido, mas não. Não, porque ela é fria, sorri demasiado, se apóia na mão esquerda sobre os cotovelos na mesa cansados, se fatiga do papo, dispersa. Nem tocou a flor que aguarda num copo d'àgua.
Penso: será que o homem de cartola e flor em punho se redime, será que é perdão o que pede? Será que chora ao choro de Jacob o arrependimento de erros idos?
Ela quer mudar de mesa, sentar lá fora onde se encontra a maioria das pessoas do bar. Tomar a fresca. Para ela que danem-se os músicos, dane-se a Santa Morena de Jacob, que reste a flor num copo americano abandonada pela esperada loira de cabelos tingidos.
De que lhe valem flores e cartolas, de que vale o choro chorado em harmonia pelo mundo todo, de que lhe valem uma flauta, pandeiro, violão, cavaco, bandolim e um sonoroso saxofone em perfeita congruência, de que valem a cachaça e o calor, que lhe importa o amor de outrem?
De que vale o meu amor, se é segredo, se é lamentado num samba-choro de Nelson Cavaquinho ou de Cartola?

Para quem vive samba e poesia, de que vale a vida senão um jasmim, uma cerveja gelada e uma mesa de bar, numa noite de verão brasileira?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sabiá

Então, diz-que assim:


Perto d'uma bica d'água me encantei cum Sabiá
Sem ele perceber nem nada, fiquei lhe ouvindo a piá
Piava e piava num pio pianinho, mas que era tão doce de se escuitá
Que eu mais ouvia e mais arrepio, caí num chôro de bezerro a desmamá
Eu fiquei ali parada, me matutando se o tar animá
Tinha nascido de um pio de Deus, ou se piá já sabia o Sabiá
Ou isso ou era o baruio do rio que me botava já a aluciná
E aquele Sabiá tinha nascido é dum pinto, como gerarmente se dá.
Eu cheguei mais perto do bicho pra mó de mió repará
Mas ele que é bicho matêro, sorrateiro fez o pio cessá
Eu então chorei de sardade, e pedi pro tar do Sabiá:

"Não se incomode com bobage que eu num quero lhe assustá, eu só cheguei aqui mais junto pra mó de melhor o seu pio adimirá!"

O Sabiá partiu voado depois de um triste oiá
Nem quis saber do meu amor, nem da dor que eu começava a pená
Com sardade daquele pio, e daquele encanto que ele dá
Eu chorando me joguei no rio e comecei a implorá:

"Vorta com seu pio macio, retorna seu Sabiá!"

Mas nada de sentir arrepio, nada das oreia gostá.

(Nessa hora diz-que já era tarde, e que o sol já ia deitá)

Com os óio e os dedo inchado de tanto me lamuriá,
Eu saí de dentro do riacho, e a vista começou a branqueá
Dei uns dois passo pros lado, despois tornei a bambiá ...
E diz-que na Vila até hoje tem gente que lembra de jurá
Que eu me cheguei piando, fazendo que ia avoá,
Pulando de àrvore em àrvore, teve criança a assustá
De peito inchado imitando o canto daquele Sabiá
Tem gente que diz que é verdade, tem otras que vai duvidá
Eu num sei bem pois num alembro, como em estado para-normá
Mas foi ansim que me contaram, e é ansim que posso contá
Só sei que depois de um mês, quando a mente fui recobrá
Eu já andava cantando ansim, de vento em vento.
Sem jamais conseguir pará.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

De Mun-dança

Na dança do mundo, eu comecei criança.
E como é pra sair da roça, tem que ser cheia de esperança
Pequenininha e caipira, eu fui fazendo roda
Tal qual lembrança de amor, que vai embora mas um dia volta.

Depois de ir ver o estrangeiro, eu quis conhecer o mar
E me mandei numa onda fria, numa ilha eu fui morar.
Lá eu ganhei muito amigo, muito estudo e instrução.
Assim saí de meu umbigo, e me enamorei pelo choro-canção.

Na ilha de meu destino, por um tempo descansei...
Aportei meu barco a vela, montei casa e me casei.
E nessa estada eu dancei maracatu, samba e capoeira.
E confesso que pensei por vezes em ali passar minha vida inteira.

Porém, tendo sina viajeira um belo dia foi que me cocei.
Eu resolvi mudar de ares, ver tudo aquilo que inda não sei
Fiz de mim mais uma retirante, e botei a viola no saco.
Dois pares de roupa velha, pouco dinheiro e meu mulato.

Nos encaminhamos pro norte, onde nos disseram haver
Uma cidade que de tão grande, não parava mais de chover
Era o choro de retirantes, que garoava mansinho no concreto.
E como lá havia de tudo, não havia errado e certo.

Na mesma onda em que vim, peguei carona e fui-me embora.
Deixei pra trás a lembrança, carreguei os amigos de outrora.
Continuei minha dança, passo a passo meu caminho.
Vou cantando a esperança de ainda ver o mundo todinho.