Para Luíza Miller, em seu aniversário.
Muitas
vezes me ocorre o desejo, olhando de minha janela, de pegar um pássaro com as
mãos.
Outro dia
entrou atropelada uma imensa borboleta e pousou num canto do
quarto. Vi que tinha uma pata quebrada e imaginei que por isso estivesse
desorientada. Tentei com muito cuidado pegá-la com um lápis, onde talvez
pudesse se apoiar, fazendo uma espécie de bengala para aquela pata que – em
minha cabeça – lhe fazia falta. Porém o instinto da alada era mais forte e
quando a toquei ela esboçou um vôo, um vôo encantado onde me mostrou todo o seu
branco e turquesa que estava oculto pelo lado de fora das asas marrons e pretas
recolhidas. Tomei um susto tão grande com sua beleza que comecei a tentar
acalmá-la, que bobagem, cantando baixinho e conversando com ela. Mas a
pobrezinha se debatia desesperada e tentava em vão fugir do quarto e suas
imensas paredes. Aquela borboleta era eu mesma tentando sair do quarto, de
minha cabeça pequena para as asas do pensamento, presas ao concreto, à luz
branca do computador, às garras imundas do capital.
Assim como
a imaginação, quanto mais eu tentava cercá-la, mais crescia o medo de pegá-la
com a mão e quebrar suas tão lindas e frágeis asas. Sabendo que não haveria
outro jeito, tomei coragem e de uma vez só a peguei bem perto do corpinho duro
e corri para a janela, onde a senti desgrudar de meus dedos. Ela se debateu
mais um pouco, como que atordoada ainda pelo susto e enfim levantou vôo, aquele
vôo lindo e inesquecível para mim, deixando o pó de sua cor em meus dedos, em
formato de coração. Quem precisa de quatro patas em
perfeito estado quando se tem um par de asas?
Mas os
pássaros são diferentes dos insetos. São quentes, carnudos e muito
sentimentais. Esses bem-te-vis que vivem na minha janela, por exemplo. Fico os
observando e me comunico com eles mentalmente quase todos os dias. Sempre
pergunto frivolidades: Como estão os céus por aí? Onde vocês se esconderam do
temporal de ontem? Bebe um pouco daquele fio de água fresca que desce a pedra
por mim? Parece tão saborosa... E eles sempre me respondem saltitantes, ariscos
e charmosos, meio me dando bola, meio não. Meio fazendo-me invejar a sua
liberdade de pássaro, a sua beleza sem fim, a sua ética. Sinto por eles tanta
ternura que essa vontade de abraçá-los me invade como aquela vontade irresistível
que os namorados têm de dizer “eu te amo” pela primeira vez. Mas como eu já disse, eles são criaturas muito
sentimentais. Agora mesmo apareceu uma curruíra e se dependurou na árvore em
que um bem-te-vi adolescente estava. Ela parecia perdida na área e logo as rãs
que habitam o côncavo da pedra começaram a avisar: Xô...xô...xô... Mas ela ignorava
e não arredava pata. Então o bem-te-vi arredio como toda criatura de sua idade
deu-lhe uma rasante e ela saiu simplesmente desconcertada em seu pio metálico
de reclamona. Tudo isso para que bem-te-vi alçasse outro vôo logo em seguida, nos
deixando - a árvore e eu - em pleno abandono. Decerto foi se juntar aos
parentes no alto azul do céu, de onde podem ver todas as bobagens que os
humanos fazem de seus dias, com semanas e fins-de-semana, enquanto eles vivem
para voar, cantar e desfrutar da criação.“Isso mesmo! Vocês é que estão certos. Aproveitem por mim!”, penso nesta
hora, e é sempre este pensamento que me demove da idéia mesquinha (que as
paixões sempre suscitam) de tê-los em minhas mãos, calmos e passivos, para
acariciar seus corpinhos e penas. Um pássaro só ficaria assim por doença ou
imposição. E isso não é amar, dizem os sábios.
Amor é quando simplesmente saber
daquela felicidade nos basta.
Quem precisa tocar com as mãos, afinal, quando se pode tocar com o coração?