Estou de volta ao primeiro palco de minha vida, no porão da velha igreja onde a escola era sediada. Canto diversas canções de vestido branco sobre dois botões de seios, danço e canto sem parar, prenhe de uma liberdade e leveza que jamais possuí. Vejo do palco o pai na terceira fila, a mãe em pé ao seu lado e ao fundo, como quem apenas espreitasse, o avô que não convidei para a estréia. Jamais me perdoou. Em delírio, perdoava.
Corte: estou um pasto pedregoso e cheio de vacas leiteiras, dentro da caminhonete de um senhor desconhecido, mais velho que meu pai e mais novo que meu avô. Olho as vacas no pasto enquanto a voz estranha do homem, que não vinha de sua boca, mas sim de toda parte, me responde a pergunta não-feita: ele era da macumba, sempre foi da macumba. Se não acredita te levo a quem te conte. De repente estamos ombro a ombro naquele elevador minúsculo, claustrofóbico como a sala de carpetes da casa da Avenida Pauleti. Descemos, descemos, descemos, quase sem ar. No fundo do mais profundo, está a criada cor de café com leite sentada na mesa redonda enquanto come bolacha maizena. É verdade, minha filha, ele era da macumba, sempre foi. E você não escapa viva. Peço para ir ao banheiro antes que mije as calças. Vou, ela fuma. Volto, quero partir, o elevador está enguiçado. Quando para assim custa a voltar a funcionar. Preciso partir. Sem dúvida nem desamparo empurro com meus braços o teto com uma força imensa, uma força que jamais possui. A máquina anda, lá em cima me espera o senhor de meia idade.
- Me dá uma carona?
Ele me leva até a porta da mata fechada, para onde caminho sem olhar para trás. Encontro a trilha,subo dois degraus de pedra, à minha esquerda estão duas meninas muito pequenas e sorridentes. Curiosas, brincam comigo e eu com elas. Chegamos juntas à uma imensa porta feita de musgo e fluorita. Em frente à porta, pego um punhado de pétalas nas mãos e sopro no rosto das meninas. Elas desaparecem. Viro o trinco da porta, avisto o abismo, um passo à frente e aquele clarão.
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