segunda-feira, 27 de maio de 2013

Redondezas

Tenho usado caminhar à toa
Sem rumo certo, errante apenas
Em horas tão cedo que ninguém se move
Ou quando melindram as tardes amenas

Vou pisando as calçadas de pés doloridos
Tornozelos cansados, pesadas chinelas
E sorrio pros bichos nos cantos famintos,
São bem como as deles as minhas mazelas

As ruas me levam em sua correnteza
Mas eu não sou pau! Mas eu não sou folha!
Não há fio de ferro que me corte o sonho
Não há pé de vento que o afinco me tolha

Se vou escorrendo, boiando nas ruas
Pisando as calçadas com patas dormentes
É que desde o dia em que vi os teus olhos
Meu corpo padece de algum mal latente:

Eu vou caminhando e pressinto holofotes
A brisa se move e carrega os cabelos
Me sinto mais bela, mais viva e mais forte
A Deus e à Sorte confio segredos

Tenho usado (sempre) caminhar à toa
Mas desde que eu soube que tu vives perto,
Esquinas do meu coração têm mais graça
E nem me recordo viver num deserto.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Enquanto não Estiar

A cidade amanheceu branca. O vendaval da noite anterior somou-se ao calor abafado que mais pesava e apressava o final da semana. "Chega logo, sexta-feira". Na madrugada uivos de agonia chamaram raios e trovões. Esses lobos domésticos, pobrezinhos, sem nem sequer um campo para enlouquecerem-se em matilha. Como fizeram-se sonoros em seu desespero! Demorei muito a pegar no sono, preocupada com o sono que sentiria de manhã se não dormisse logo. E assim foi,evidentemente. Na manhãzinha meus olhos grudados acordaram sem coragem para uma cidade viscosa como a pele e o sangue dos paraibanos, cerenses,paulistas, gaúchos, mineiros - todos cariocas.
A cidade tão populosa tinha as calçadas vazias. Muitas foram as crises de enxaqueca, dor de barriga, febre alta, suspeita de dengue. Muitas, que coincidência. Que dor mais insuportável a de ter que ir trabalhar num dia destes.Impossível povoar as ruas cheias de corredeiras ferozes e vivas, que com intenção de vingança enchiam as calçadas do lixo podre resultante da vida humana na cidade. Praças, bancos, estabelecimentos vazios, a não ser por um ou outro retardatário da noite anterior, que sem perceber que o sol hoje não viera, acreditou que a madrugada simplesmente tinha esquecido de acabar, e ainda era tempo para outra dose. "Esfriou, me traga um conhaque".
As ruas assim, no abandono de um dia de chuva são demasiadamente melancólicas. Engoli o choro com um pensamento absurdo de que todos haviam sumido e só restava eu sob a água celestial dos tempos. Não acreditei no pensamento de fato, mas tive medo da força que teve. Que triste foi o meu lamento - "Eu gosto tanto de gente, cadê a população?" .
Mas uns olhares atrás de cortinas logo me fizeram recobrar a consciência. Estavam apenas todos em suas casas. Havia pessoas, elas só não rodavam por aí. No aconchego de seus lares quentes, com seus filhos e cafés quentes, chocavam o amor que iria às ruas em hora mais propícia, quando a própria Natureza não os contrariasse, quando o céu não desabasse assim tão raivoso. O céu das emoções de Deus. Permitindo-me ainda guardar o resto de sonho que havia nos olhos, transfigurei-me neste momento em rua, alameda, poste, jardim, poça imunda. Tornei-me eu mesma o corpo da cidade. E deparei-me no Largo do Machado com meu coração quietinho, fonte verde, musgulenta e inérte apesar da vida que abriga, apesar de imponente construção: Um coração cheio de amor por dentro, mas em cujas artérias não passeia nem sequer um glóbulo vermelho enquanto não estiar.