No perfeito cenário de meia-noite, passada numa sexta-feira 13 de agosto.
Toda Santa Teresa viu. Toda a Coroa, Falet,também o Morro dos Prazeres. Todo mundo viu, e ai de quem estava na rua, ai deste, como viu...
Primeiro um ar quente inundou os largos, cheios de pessoas com suas cervejinhas, celebrando aquele dia quente de sol, de céu azul, dia perfeito de sol se pôr vermelho atrás do morro visto do terraço, de lua crescente que veio sorrindo. E foi aí, depois da lua sorrir que um estranho ar quente de mofo e cinza,um incômodo ar quente de pó veio. Seguiram-no fracos pingos de chuva, que em vão tentaram dizer a que vinham, pingaram em aviso: aí vem coisa, ou de tempestade ou de vento, de vingança ou de varrida, de limpeza geral, de levantar defunto.
Eu comigo inundada também de mormaço, de mofo e cinza, de escuro. De poeira: Haja poeira para tanta estrada esburacada neste mundo velho sem porteira.
No breu ouve-se um grito aos quatro cantos, um grito de guerra. Mas ouve-se com a nuca, com o frio na espinha, ouve-se de arrepio, de coisa estranha. As folhas se agitam nas àrvores magrelas da janela, um redemoinho se forma num canto de paralelepípedo, e por entre os vagões do bonde: Menino, isso deve ser coisa de Pererê, só pode. É Saci arretado isso, na minha terra cansei de ver.
Mas o grito ainda arrepia a nuca. É de Saci, pode até ser. Mas quem manda neste vento é Oyá Iansã, é a guerreira quem se manifesta. E quando ela se zanga, painho, sai de baixo. Sai da frente que vem vendaval.
Num rebuliço, as ruas começam a perder fregueses corridos nos carros, bondes e táxis. Olha que aí vem coisa. Um bêbado acostumado com desgraça gargalha descendo a ladeira: eu vou voar! Eu vou voar!
Em mim o vento causa medo e excitação. Um certo tipo de respeito assustado, e de deleite ao mesmo tempo. Vento no cabelo, vento no suor, vento na janela, sempre amei vento. Porque tenho para mim que o vento, quando é destes de levantar tudo, de sacudir, leva e traz consigo coisas do espírito da gente. Traz até mesmo a loucura, traz a mudaça. Os ventos da mudança, mais uma vez recorrem em minha história.
Pelo vitral da porta antiga de madeira, observo a voar uma caixa d'àgua, pedaços de madeira, lixo, e muitas folhas secas. Elas voam e vêm até meu quarto, entram, tomam espaço, se pousam no chão. Ouço um estrondo de uma porta que se arrebenta com a força da assoprada. Nada se pode fazer contra a vontade de Oyá, a força dos ventos da mudança, a força dos ventos da luta, da guerra. Às vezes também o vento é de Xangô, segundo me disse um camarada uma vez no quintal de casa, não sei.
Quinze minutos depois, o vento cessa de sopetão.
Na rua, só o lixo, a poeira, tocos de madeira, objetos perdidos, alguns sobreviventes do ocorrido a sair dos esconderijos e a voltar a caminhar nas ruas bagunçadas, remexidas, reviradas.
No chão de meu quarto, folhas secas, lágrimas passadas, poeira dos tempos, saudades de quem já partiu, poemas, partituras, uma fita vermelha de cetim.
Mais uma vez, os ventos da mudança varrem de mim e das ruas, da nossa minoridade perante a natureza, da cabeça e do coração, a falsa impressão de controle perante a vida.
Que bom para quem tem alma de entender.
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