terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Terceiro Delírio - Os Tenores


Caminhava por um campo verde, mas não era grama. Tive a sensação de estar em Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul, embora o clima não sugerisse o mesmo ponto geográfico. Pegava um pedaço de papelão como fazia nas brincadeiras de minha infância, e descia barranco abaixo de modo suave, como quem desce um tobogã, sem ferir-me ou levar susto. O rolimã improvisado estacionava a beira de uma água doce. Do meu lado esquerdo, vinha um canto suave em voz masculina. Tenores.
Carolina, você não entende nada de música. Mas eram tenores, estava certa, pela sensação que causavam nas papilas gustativas.
Mirei-me no pequeno riacho, muito limpo. Parecia água morna, pelo azul que tinha - um azul meio verde-água - pois no espelho que formava eu via refletido todo o verde claro das costas do cânion. Quando ia despir-me ao som daquela melodia natural, daquela melodia que parecia brotada do fundo das pedras e lavar-me no riacho, eis que a água se move. Olhei para os lados contrariada, estava sozinha ainda que observadora de mim mesma, eu e meu duplo, como veriam os Jurunas.
A água começou então a borbulhar. Isto é fenômeno comum nos cânions, Carolina. Mas deste borbulho agora é que brotava a melodia, o doce canto dos tenores. Era um bailado de bolhas, cada vez mais intenso e flutuante, algumas subiam por metros e estouravam em notas que se juntavam no ar em contacantos. E dançavam, e dançavam. Minha cabeça girava e o corpo já não estava bem ali. Não sabia se também eu voava, ou se era o corpo todo feito de música. Fui sendo levada sem perceber para cada vez mais perto da água. Carolina, você não sabe nadar. Mas era como se soubesse nadar, ou se dançar bastasse para flutuar e imergir sem perigo. Afundei, mas ainda ouvia música. Abri os olhos muito depois, já debaixo d’água e lá estavam os tenores, todos eles, com seus olhos de membranas, dentes afiados, e rabos de peixe.
Havia caído no canto dos sereios. Quando o ar me faltou, desfaleci no colo do mais moreno deles e veio aquele clarão.

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