Domingo. Já passa das quatro da tarde e ainda não falei com ninguém nem vi qualquer pessoa. Estou sozinha, e estes raros momentos de independência absoluta me garantem um estranho domínio sobre o tempo. Já são mais de quatro da tarde, uns cantos de passarinhos se confundem com rugidos de aviões que cortam vez em quando o ar parado de domingo. Nada demais acontece, nem tem porquê. Debato-me apenas, calada nesta sala com questões tão imensas das quais não posso dar conta: o amor, a música, o corpo, o dinheiro, a saudade, a morte. Debato-me com o barulho que fazem em mim, ouço meus pulmões que assoviam asmáticos, fumo mais um cigarro. A morte, a música, a saudade. Nada se move no céu parado de domingo.
Dois gritos roubam-me a concentração em meus devaneios. Um veio do lado esquerdo do prédio, me fazendo abrir os olhos num sobressalto - tragédia? Segundos depois, outro grito do vão direito. Tragédia nada, gol do Botafogo. Rio de mim mesma. Estou tão absorta em tentar achar soluções para a existência humana que me esqueço do que há de mais humano. Esqueço da gente.
Descobri há pouco um novo escritor que me tirou o sossego. Embora goste tanto, não consigo progredir há cerca de um ano em meus estudos literários por não poder mais contar com meus olhos. Ou andam longe, ou não funcionam. Tenho muito medo e choro, não quero perder meus olhos. Preciso saber da literatura. O homem que eu amo lê para mim quando me falta a visão. Nunca vi gesto mais bonito na vida. Lembro-me que foi num dia destes que pela primeira vez tive vontade de dizer o quanto o amava, mas não disse. Mesmo quando tenho os olhos, quando meus olhos estão saudáveis ainda e não me abandonam astigmata, ainda assim prefiro quando ele lê para mim. Porque gosto de sua maneira de me dizer as palavras e do modo como, poupando-me o uso dos olhos, me fornece um horizonte de imagens.
Preocupo-me demais ultimamente. Angustia-me não saber se haverá solução e por isso quando bebo, choro. Ou se não choro, visto minha casca de amargura e desprezo por tudo. Desprezo não, desprezo não é a palavra. A palavra é resignação. Que prevê a consciência, a frustração e os olhos baixos de dor na hora da aceitação. Será que foi assim que meus olhos me abandonaram? "Insuficiência de convergência dos músculos oculares" - disse-me o oftalmologista especialista em desenvesgar pessoas como eu. Incapacidade em focar ao mesmo tempo os dois olhos na mesma coisa ou palavra, visualizando-as deste modo embaçadas. Uma doença crônica desenvolvida a partir do astigmatismo. Falta de foco prolongada. Falta de coragem expandida. Temo. Quando decido pelo foco faltam-me os olhos e os músculos. Uma batalha de fracos, luta inglória? Temo. Ultimamente apenas preocupo-me com o que vai ser feito da música brasileira. Desespero-me em pensar, onde foi que ficamos tão burros? Choro compulsivamente quando bebo. Ouço as histórias do poeta e dou-lhe fortes abraços de despedida (ele não imagina o quanto é próximo de mim nem nunca saberá o quanto rezei ontem por seu aniversário). Eu tenho tanta fome de aprender. Dê-me olhos para enxergar e alimento para a poesia, dê-me algo de bom para comer.
É domingo, mas terça-feira é feriado. Nada deve ocorrer nestes dias, porém hoje um novo autor me emocionou. Quase que tive a esperança e o ímpeto de sair de casa para comprar um livro, mas desistí. Não tenho olhos. Gol contra o Botafogo, o silêncio é de resignação. Feriado prolongado, terça-feira é Dia do Trabalhador e ninguém deve fazer o ar de mormaço se mover até então, com excessão dos pássaros e aviões.
Eu quero trabalhar. Todo mundo deve ter este direito. Eu quero meus olhos de volta. Alguém me agende uma devolução para a quarta-feira.
domingo, 29 de abril de 2012
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Em boca fechada...
... Não entra mosquito.
Está muito bem dito o jargão popular.
Quem fala o que quer leva ao pé d`ouvido
O bem merecido e pode não gostar
Eu tenho pra mim - pois tenho vivido,
Que só é querido quem sabe chegar:
Se mete o bedelho onde não é bem-vindo,
Riscou labareda e vai se queimar
Eu uso a caneta no melhor sentido
Falando de amor, de saudade e canções
Mas ela também tem seu lado maldito
Arma de veludo para os fanfarrões
Mais disso eu não digo, ou comento fato
Leve os seus farrapos pra outro lavar
Em boca fechada, nào entra mosquito
Já está mais que bem dito o jargão popular.
Está muito bem dito o jargão popular.
Quem fala o que quer leva ao pé d`ouvido
O bem merecido e pode não gostar
Eu tenho pra mim - pois tenho vivido,
Que só é querido quem sabe chegar:
Se mete o bedelho onde não é bem-vindo,
Riscou labareda e vai se queimar
Eu uso a caneta no melhor sentido
Falando de amor, de saudade e canções
Mas ela também tem seu lado maldito
Arma de veludo para os fanfarrões
Mais disso eu não digo, ou comento fato
Leve os seus farrapos pra outro lavar
Em boca fechada, nào entra mosquito
Já está mais que bem dito o jargão popular.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Lua na Atlântica
Como pode, madre Lua
No turquesa em que flutua
Me deixar em plena Atlântica
Deste modo, seminua?
Falha tua, madre santa
Me botar em disparate
Tudo arde enquanto canta
Tua luz branda na tarde
Me acabe, despudorada
Sem teu manto de candura
Mas ainda baluarte
Dos poetas sem censura
Pobre eu, desavisada
Caminhando sem porque
Entre os homens da calçada
Hipnotizada por você
Nem reparo, que sou eu
Aqui despida nas ruas
Tua imagem a fazer
Fervilhar as carnes cruas!
No turquesa em que flutua
Me deixar em plena Atlântica
Deste modo, seminua?
Falha tua, madre santa
Me botar em disparate
Tudo arde enquanto canta
Tua luz branda na tarde
Me acabe, despudorada
Sem teu manto de candura
Mas ainda baluarte
Dos poetas sem censura
Pobre eu, desavisada
Caminhando sem porque
Entre os homens da calçada
Hipnotizada por você
Nem reparo, que sou eu
Aqui despida nas ruas
Tua imagem a fazer
Fervilhar as carnes cruas!
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